Podecrer!,
de Arthur Fontes (Brasil, 2007) por Eduardo Valente
Juventude
no museu Como começar um filme sobre a juventude vivida
no Rio de Janeiro dos anos 80? Elementar: com imagens simulando uma projeção de
Super 8 na tela grande do cinema em 35mm. A partir desse mínimo indício inicial,
Podecrer! estabelecerá ao longo de toda sua duração uma mesma relação de
obviedade com os signos daquela década, fazendo do passeio que propõe pelo sentimento
de “ser jovem nos anos 80” uma mistura um tanto incômoda de ida a um “parque temático
como museu de cera” – ou seja: o que deveria ser fonte de energia e adrenalina
se transforma em empilhamento de imagens cujo único valor parece ser sua indicialidade
de um tempo passado (e dá-lhe close num Genius aqui, numa carimbada de caderneta
acolá, etc) somada a um engessamento completo da sua estrutura narrativa. De
fato, esteticamente falando, desde Traição já sabemos que não é no uso
da linguagem cinematográfica onde Arthur Fontes encontra seu maior foco de interesse
como realizador – e não por acaso, aliás, era exatamente isso que fazia daquele
seu episódio o melhor do filme disparado, livre das auto-centradas extravagâncias
que Cláudio Torres e José Henrique Fonseca imprimiam a cada plano de seus filmes.
Em Podecrer! nos vemos então frente a uma esquizofrênica tentativa: Fontes
parece querer, como conseguia tão bem em Traição, dar frontalidade ao drama
de seus personagens – só que, não contando com a força do material que Nelson
Rodrigues propunha lá, consegue pouco mais do que acumular clichê atrás de clichê
dos “filmes de formação” (leia-se o bom e velho cinema da passagem da adolescência
para a vida adulta, o “high school film” em suma). Dada
a fragilidade do material dramático que tem em mãos, Fontes opta por se aventurar
na linguagem, e aí o resultado é ainda pior: por um lado, temos a opção bastante
óbvia de uma imagem que “remeta aos anos 80” na emulsão da película, no trabalho
de cores e na granulação (de novo, num registro óbvio de museologia); por outro,
a incapacidade de se colocar simplesmente frente ao espaço, olhando os personagens
de frente e se instaurando na vivência deles. Com isso, dá-lhe decupagem moderna-aleatória
(ou seja: cobertura das cenas mais simples com planos de todos os lados, efetuando
depois cortes incessantes dentro delas), dá-lhe chicotes de zoom para criar “energia”,
dá-lhe ângulos “espertos” para dar “juventude”. A inadequação dos expedientes
fica especialmente clara na cena da clínica de aborto: possivelmente o momento
central ao drama dos personagens, nela se opta por uma câmera “do teto”, criando
a estranheza pela estranheza – ao invés de apostar nos atores, na encenação, nos
diálogos, no tempo cênico em suma. Dentro deste panorama
é que acabam se tornando intransponíveis algumas fragilidades que o filme poderia
superar tranqüilamente caso tivesse uma dramaturgia ou estética fortes, que nos
fizessem “olhar para o outro lado”. Falamos aqui da dificuldade de se fazer algo
que se proponha um filme-painel de época (donde se pense planos abertos, cidade
presente como personagem, etc) dentro das condições limitadas de produção do cinema
nacional; ou da gritante escalação de atores de 25 a 30 anos na média como adolescentes
de colégio (lembrando a ridicularizada e caricatural série de TV encenada como
tal por Amy Heckerling no seu recente Nunca é Tarde para Amar). E
é bom mesmo que surja o nome de Heckerling aqui, porque em última instância é
tudo que o cinema dela (Picardias Estudantis, Patricinhas de Beverly
Hills, este último) tem de melhor que falta a Podecrer!: esta energia
jovem que vem, sobretudo, do estar no mundo, do estar no seu tempo, do olhar em
volta com generosidade de olhar. Já Podecrer!, ao olhar para o jovem, tem
a sensação de um filme velho – porque já visto antes muitas vezes, mas principalmente
porque parece se escorar exclusivamente num saudosismo estéril como foco de interesse
(“ah, os anos 80!”). Neste sentido, seu efeito parece muito com o da ida a uma
Festa Ploc – e cá entre nós isso não pode ser uma coisa boa. Melhor, então, para
sentirmos o que era ser jovem nos anos 80, que fiquemos com o original (referenciado
aqui, claro), e revejamos Menino do Rio, de Antonio Calmon.
Novembro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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