in loco - cobertura dos festivas
Plastic City – Cidade de Plástico (Plastic City), de Yu Lik-wai (Brasil/China/Japão,
2009) por Julio Bezerra Que
filme é esse?
Plastic City é quase literalmente
um longa indescritível. Em geral, quando falamos de filmes não é exatamente deles
que falamos, mas dos arcabouços interpretativos que construímos ao redor deles.
Quando a obra é narrativa ou expositiva, isso até pode fazer algum sentido, mas
na maioria das vezes nosso discurso se refere ao enredo e às suas possíveis significações
(sejam elas psicológicas, morais ou sociais). Agora, e quando um filme é nada
mais do que é? Quando ele não é suporte para transmitir informações ou um discurso
sobre a realidade? Quando ele representa e é alguma coisa, as duas coisas ao mesmo
tempo sem ser nem uma nem outra? Este é o caso, por exemplo, dos filmes de Apichatpong
Weerasethakul. Mas e este Plastic City, um filme que se recusa a qualquer
possibilidade de classificação (seja ela em termos de conteúdo, formais ou identitários)
e avança apagando os seus rastros? Antes
de mais nada, vale dizer que Yu Lik-wai (na foto ao lado) não é um qualquer no
cinema. Plastic City é seu terceiro longa de ficção como diretor, sendo
que os dois anteriores, All Tomorrow's Parties (2003) e Love Will Tear
Us Apart (2000), foram selecionados pelo Festival de Cannes. Além disso, ele
é parceiro e fotógrafo de um dos cineastas mais festejados da contemporaneidade,
Jia Zhang-ke, com quem divide uma produtora. Plastic City tem ainda a distinção
incomum de ser uma co-produção entre Brasil, China e Japão. O filme conta a história
de Kirin (o astro japonês Joe Odagiri), um filho de japoneses que é adotado por
um mafioso chinês quando seus pais são barbaramente assassinados na Amazônia.
O velho Yuda (Anthony Wong, um dos atores mais constantes de Johnnie To) é um
contrabandista decadente. Ele trabalha com produtos falsificados, provavelmente
originários da China, alimentando pequenos comerciantes paulistanos. Yuda será
traído por peixes-grandes e Kirin tentará defendê-lo. Seria
Plastic City uma espécie de fábula chinesa e japonesa passada em São Paulo?
Difícil dizer. A narrativa sofre de Alzheimer. O filme mostra uma incapacidade
de mostrar São Paulo. E seus personagens (incluindo os protagonistas, aleijados
pela dublagem para o português) são inconsistentes. Alguns desaparecem como se
não existissem e outros ressuscitam. É como se estivéssemos assistindo a uma paródia
dos irmãos Zucker. Seria um filme de gênero? Conflitos entre pai e filho? A variedade
cultural e racial do Brasil? Um discurso realista sobre a dura realidade social
brasileira? A estetização do universo retratado? Um realismo contemporâneo de
câmera na mão? Um grafismo quase abstrato? Manga? Animação? Naturalismo?
Surrealismo? Liberdade onírica? Compromisso com os gostos locais? Está tudo em
questão e fora de questão. O que se vê é uma espécie de massificação de tudo,
o apagamento de diferenças, uma multiplicidade de plástico. Um filme completamente
abandonado aos seus próprios excessos. As
seqüências não se articulam no conjunto de forma a manter qualquer coerência narrativa
ou estética. Yu acaba fazendo um pastiche às avessas. A soma incoerente de estilos
não parece um fim em si mesma. A profusão de estilos não gera um movimento pessoal
e potente, está mais mesmo é para o fetiche. O filme jamais acredita realmente
em cada um desses estilos. A impressão, na verdade, é da soma de cenas, como se
estivéssemos de volta ao tempo do chamado “primeiro cinema”, quando a sétima arte
se baseava em sua habilidade de mostrar alguma coisa, sempre disposta a romper
o mundo ficcional auto-suficiente e tentar chamar a atenção do espectador. Yu
pensa na imagem e não na seqüência. O cinema aqui parece ser elaborado a partir
de uma idéia de confluência de linguagens e não como uma linguagem específica.
Talvez seja essa a questão, o que torna este Plastic City é uma verdadeira
pedra bruta. Na verdade, Plastic City é mais um empreendimento
cinematográfico do que um filme. O longa se afirma em uma posição sui generis
de mercado: trata-se de uma chance de colocar-se e vender-se internacionalmente,
realizando um cinema globalizado sem perder algo das qualidades locais. O contemporâneo
pode ser um acúmulo de fragmentos cujo valor e sentido estão na parte e não em
sua relação com o conjunto. Essa multiplicidade tecida de maneira frágil e tênue
por Yu é reveladora de um certo espírito deste momento histórico em que vivemos.
Como em uma cena logo no início do filme quando Kirim, de braços abertos, abre
as mãos soltando várias notas de 10 reais, e diz (com dublagem): “o produto é
falso, mas o dinheiro é verdadeiro”. Outubro de
2009 editoria@revistacinetica.com.br
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