plantão do YouTube
Sinais do tempo
por Eduardo Valente

Determinadas reflexões não necessariamente surgem de um longo “debruçar-se” sobre uma obra ou uma questão referente ao audiovisual, mas da simples experiência da exposição a um determinado produto. Assim, outro dia “zappeando” pela TV a cabo, entre as emissoras de vídeos musicais (MTV e VH1), curiosamente acabei assistindo a estes dois vídeos na seqüência, vídeos que depois procurei para rever no bom e velho YouTube.

Long Road to Ruin - Foo Fighters

O impulso de ver este primeiro vídeo veio do simples anúncio de que seguiria um vídeo do Foo Fighters, porque sem ser particularmente um fã da banda e sua música, eu sempre gostei de conhecer os seus vídeos, pelo tanto de inteligência e auto-ironia que sempre estiveram presentes, num mais que saudável jogo de ceticismo com a condição mesma de rockstars (algo que Dave Grohl certamente trouxe do convívio com Kurt Cobain e Kurt Novoselic no Nirvana). Além disso, todos os Foo Fighters se revelaram ótimos atores cômicos em vídeos anteriores. No entanto, nem este interesse me preparou de todo para a explosão criativa deste Long Road to Ruin, numa mistura de pastiche de novela de TV (se é que isso é possível) com uma construção altamente sofisticada de metalinguagem e superposição de personas fictícias. Em menos de 5 minutos, os Foo Fighters divertem-se às pampas ao mesmo tempo em que realizam um dos melhores filmes de curta duração que eu vi nos últimos meses.

What Goes Around... Comes Around - Justin Timberlake

Depois, tive a atenção voltada (o que não é muito difícil, convenhamos) pela presença de Scarlett Johansson no último clipe de Justin Timberlake. A versão acima linkada do clipe é o que se pode chamar de “versão estendida”, algo ainda que pouco comum, de forma alguma inédito (e que data desde o Thriller, de Michael Jackson, por John Landis). Neste sentido se diferencia do que eu vi na TV, que se resumia à parte onde a música efetivamente toca, e que talvez se revele até mais interessante, exatamente porque deixava de lado a construção de “personagens” (como a que vemos no começo do vídeo estendido, com direito a créditos “cinematográficos) e o desenvolvimento narrativo das cenas em que a música pára de tocar por alguns segundos. Neste sentido, a versão curta é bem mais poderosa e evocativa, embora eu infelizmente não a tenha encontrado no YouTube.

Em ambos os casos, interessa menos perceber a óbvia interpolação entre os espaços da ficção e da peça promocional musical, ou das linguagens cinematográfica e televisiva com o trabalho mais “gráfico” ou abstrato geralmente articulado nos videoclipes – afinal estas são fronteiras já mais do que exploradas (e, de novo, o Thriller de Michael Jackson volta com força como referência essencial). O que os dois fantásticos videoclipes me fizeram pensar é no anacronismo latente de toda uma produção cinematográfica atual, que pretende se comunicar com uma platéia contemporânea a materiais audiovisuais como estes que aqui vemos, sem perceber a sofisticação de percepção narrativa já criada pelos mais de cento e dez anos de criação do cinema. As personas ficcionais, a diminuição de fronteiras entre imagens da ficção e realidade, tudo isso vem de tal forma à tona nestes dois vídeos que deixa claro quão incrivelmente velhos são os filmes que pretendem contar histórias em hora e meia ou duas horas para nos passar exatamente as mesmas idéias e/ou sensações que estes trabalhos fazem em 5, 7 minutos.

A ficção cinematográfica de longa-metragem atual se encontra, portanto, frente a este desafio: qual poderia ser o seu específico, o que ela pode fazer de novo, de diferente, que permita avançar mais com esta arte e não coloca-la a reboque ou atrás de manifestações como os videoclipes – especialmente no que se refere às platéias mais novas. Alguns têm respondido com uma complexidade narrativa de novos padrões frente ao seu meio (Ratatouille talvez seja o melhor exemplo recente), outros com a urgência de uma estética ligada mais à pele dos personagens do que aos entrechos dramáticos (Ultimato Bourne vem à mente); alguns outros ainda têm respondido com uma estética e dramaturgia do pós-tudo (entre os quais ainda não houve exemplo mais forte na produção mais comercial do que o Panteras Detonando, de McG), enquanto outros dilatam o tempo em busca do mergulho no individual em meio ao excesso de “meta-imagens” (as comédias de Judd Apatow, por exemplo).

Todos os caminhos continuam abertos e desafiadores, mas o que parece especialmente estúpido é ignorar o que, na visão de vídeos como estes, fica absolutamente claro: os tempos são outros. Avancemos, pois.

Março de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


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