Planeta Terror (Planet Terror),
de Robert Rodriguez (EUA, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

Das formas e dos monstros ressurrectos

O cinema de horror, apesar de sempre ser considerado menor entre os gêneros, fez uma das trilhas mais radicais do cinema moderno, porque se miscigenou com outros gêneros, refletiu vanguardas e testou os limites da representação, sobretudo na década de 70 e parte da década de 80. Foram alguns de seus “poetas” (1), como John Carpenter, George Romero e Wes Craven, entre outros, que criaram todo um ideário cinematográfico que formou uma geração, sobretudo a da grindhouse, e posteriormente, a do videocassete. Por essas e outras, temos uma pérola pop de vanguarda em Planeta Terror. O filme é um ensaio, não só sobre o cinema de horror, mas sobre toda uma cultura que vê nesse repertório temático, estético e cultural exploitation uma potência de certa cinefilia selvagem; um aparato de formas brutas, de somas, composições e iconografias poderosas que geraram, nas obras de um Romero ou um Carpenter, imagens tão deflagradoras quanto as de um Buñuel ou um Eisenstein.

O projeto Grindhouse, de Tarantino e Rodriguez, tem como novidade ser um simulacro da cultura Grindhouse. E pra isso, vale emular também a experiência de um grindhouse theater: riscos na película, rolo faltando algumas partes, filme queimado, trailers de filmes vulgares. Uma ode a um tipo de cultura de cinema que já não existe mais, senão como referência pretérita cult (o maldito de ontem virou o cultuado de hoje) ou reciclagem cool. Ai podemos colocar os próprios Tarantino e Rodriguez que, a despeito de sempre tratarem esse repertório com reverência e integridade, só foram (e são) aceitos por uma parcela do público por causa de um reprocessamento pós-moderno que seus cinemas fazem dos signos de algumas cinematografias, sejam elas canônicas (Sergio Leone), ou francamente baratas (Enzo Castellari, Jack Hill, etc). Pois, diferente da radicalidade de Tarantino, que com o excelente À Prova de Morte preferiu apurar e aprofundar as questões e estratégias de seu cinema (como nunca antes), em Planeta Terror Robert Rodriguez se entrega de maneira mais explícita ao gênero, à narrativa tão típica de seus mentores, que é o comentário sobre o “fim do mundo” – só que trocando a seriedade apocalíptica pela ácida (e caótica) ironia. Não a ironia de troça com os códigos, do tipo Todo Mundo em Pânico, mas de profunda compreensão e até mesmo afeto pelos elementos com os quais lida.

Planeta Terror só poderia ter sido feito depois de Era Uma Vez no México, filme central na carreira de Rodriguez em que ele leva ao paroxismo seu estilo, o savoir faire do filme de ação contemporâneo e suas prerrogativas particulares como autor, tanto visuais quanto do seu modo específico de realização. A idéia é o lugar comum de populares filmes do gênero, desde clássicos B da década de 60, passando pelos filmes de Romero, até as loucuras de Lamberto Bava: o estado de sítio protagonizado por pessoas infectadas que se tornam monstros (um tipo de zumbi), por militares, naturalmente responsáveis pelo caos e por pessoas comuns que unem forças para sobreviver.

A partir disso, Rodriguez realiza um painel iconográfico que, diferentemente do filme de Tarantino, não vai de modo tão frontal chamar atenção para si, mas vai integrar-se com fluidez à sua narrativa. Uma narrativa que se dá antes de tudo pela disposição horizontal dos acontecimentos, em que o tom e o ritmo se dá num caminho direto, certo (alguns dirão “óbvio”) e característico de um sólido cinema de aventura (como Raoul Walsh em seus filmes de pirata) ou da segura e objetividade de uma canção punk de 1977. Planeta Terror pode ser uma versão cinematográfica do disco Bad Music for Bad People dos Cramps.

Uma sucessão de sequências catárticas e poderosas: Cherry Darling, a gogo dancer, chorando enquanto dança na casa de striptease, a perna de metralhadora de Cherry mais à frente, El Wray na minimoto, as gêmeas sexy depredando o carro, a brincadeira ético-políticamente incorreta do garoto disparando um tiro na própria cabeça, as cenas do hospital em que o diretor faz um inventário dos dispositivos dramáticos de uma série de filmes de horror da década de oitenta, as frenéticas correrias na base militar que, se não são coisa de gênio, são de mestre, de alguém com profundo conhecimento e segurança do seu ofício de cineasta, de amor pela imersão absoluta na  ficção em um registro nada passadista, nada saudosista e muito menos complexado em ser o que é.

Planeta Terror não ressuscita o gênero, nem busca lhe aferir vitalidade (como se este não a tivesse mais), muito menos é um filme de homenagem às formas e monstros ultrapassados do cinema. Ele simplesmente vai compreender, com toda propriedade, que o cinema ainda pode se aplicar a uma lição tão básica que se resume em uma palavra: ação. Lição esta de Edwin Porter, Raoul Walsh, John Carpenter – e por que não de Robert Rodriguez?

(1) O termo "poeta" para classificar alguns cineastas nesse texto, foi emprestado do crítico Bruno Andrade, que se referiu a John Carpenter nesses termos.

Novembro de 2007

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