Piratas do Caribe - O Baú da Morte
(Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest),
de Gore Verbinski (EUA, 2006)
por Pedro Butcher

O inferno, segundo a Disney

Ironia das ironias: logo em Hollywood, e logo em 2006, um pirata é mais popular que Homem-Aranha, Batman e Super-Homem. Nesses tempos em que a indústria do cinema intensifica sua cruzada contra a pirataria virtual, Jack Sparrow, um anti-herói da pilhagem marítima, se estabelece com força avassaladora: US$ 55 milhões em um único dia, US$ 135 milhões no primeiro fim de semana, US$ 274 milhões até quarta, 19 de julho – véspera de completar sua segunda semana em cartaz (ao contrário do Brasil, o mercado de cinema nos Estados Unidos não pensa em termos de público, só em renda – mas, a partir do preço médio do ingresso estimado no país, podemos calcular que Piratas do Caribe 2 já foi visto por cerca de 40 milhões de pessoas nos EUA).

Se a força do marketing não pode ser ignorada, ela não explica, sozinha, a multidão que correu para ver o filme nos Estados Unidos. Impossível não pensar na familiaridade da palavra “pirata” junto às crianças e adolescentes, que formam a massa do público do cinema americano hoje, e para quem a expressão download (ou “baixar na internet”) já é quase tão natural quanto o prato de sucrilhos na mesa do café da manhã. Difícil não imaginar, ainda, que essa familiaridade tenha se exacerbado ainda mais com a campanha anti-pirataria que tomou conta dos cinemas, e que tinha como alvo, justamente, crianças e adolescentes, “piratas” aprendizes ou em atividade no mar da rede mundial de computadores.

Muito mais do que Superman – O retorno, Homem-aranha ou Batman Begins, Piratas do Caribe 2 é o blockbuster por excelência, uma cartada genial do produtor bom-de-faro Jerry Bruckheimer, sujeito corajoso o suficiente para ressuscitar, com apelo contemporâneo, um gênero considerado antiquado, há muito enterrado no baú dos tesouros hollywoodianos. Foi em 2003 que Bruckheimer teve a sui generis idéia de voltar ao “filme de pirata” adaptando para o cinema aquilo que, antes, não era sequer uma narrativa, e sim um parque temático da Disney onde crianças brincam de pirata em navios de mentira.

O primeiro Piratas do Caribe colou, estabeleceu-se uma nova “franquia” e, assim, Bruckheimer se lançou na aventura de realizar, simultaneamente, duas continuações, cujas datas de estréia foram marcadas pela Disney antes mesmo de começarem a ser filmadas, na corrida dos estúdios para garantir a maior fatia possível da temporada de férias. Notícias de furacões na locação, roteiros modificados diariamente, atores adoentados e equipe à beira de um ataque de nervos corriam pela Internet enquanto as datas de estréia continuavam lá, intactas.

O que se vê na tela é o resultado disso: um filme que guarda a incrível capacidade maquinal de criar imagens na fronteira da animação e do virtual, mas que possui uma estrutura absolutamente confusa, tanto pela pressa de se completar a tempo, como pela necessidade “blockbusteriana” de agradar a todos. Aventura? Tem. Comédia? Tem. Romance? Tem. Sobrenatural? Tem. Morto-vivo? Tem. Até vodu tem. O que, diabos, Piratas do Caribe 2 não tem? Antes de tudo, Johnny Depp. Se o pirata Jack Sparrow é uma criação genial do ator (figura irônica, divertida e bêbada, de etérea inspiração no rolling stone Keith Richards), e sua entrada em cena nesse novo filme é genial, sua presença é quase desperdiçada pelo tempo curto que o ator passa na tela – principalmente se comparado ao de Orlando Bloom e Keira Knightley vivendo sua tediosa historinha de amor.

Mas falta, sobretudo, a capacidade de transformar essa imensa máquina de cuspir universos imaginários em filme. Gore Verbinski orquestra um leque de departamentos técnicos e artísticos (fotografia, direção de arte, figurinos, som, efeitos especiais) e gêneros narrativos (aventura, comédia, romance) sem conseguir impor uma unidade. E assim Piratas do Caribe 2 vai vivendo aos trancos e barrancos, na dependência de assombros esporádicos, risadas esparsas e quase nenhum momento de encantamento romântico em meio a um enorme caos de 2h30 de duração.

Ainda assim, as forças esporádicas do filme, quando se fazem ver, não podem ser negadas. É um deleite ver Johnny Depp em ação com sua brechtiana criação de Jack Sparrow, e é assombroso ver o manancial de criaturas marítimas que emerge no navio-fantasma capitaneado por Davi Jones (o homem com cara de polvo e barbas de tentáculos, quase uma versão orgânica do Doc Octopus de Homem-aranha 2), com seu exército de homens-cracas, moluscos e crustáceos. São imagens impressionantes de um inferno fluido que substitui o fogo pela água – e que ainda deve emergir pelo menos mais uma vez, em 25 de maio do ano que vem, quando Piratas do Caribe 3 – Até o fim do mundo, voltar das profundezas do mar para assombrar multiplexes mundo afora.


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