Piratas do Caribe - No Fim do Mundo
(Pirates of the Caribbean - At World's End), de Gore Verbinski (EUA,
2007) por Eduardo Valente
Verbinski de novo em (má) forma Depois
de dirigir os execráveis A Mexicana e O Chamado (que, sucesso de
público à parte, era um tratado em como não conseguir criar clima num filme de
terror), era difícil esperar alguma coisa de Gore Verbinski, nome que parecia
definitivamente colocado na lista de “cineastas comerciais a ignorar” (lá junto
com os Simon West e Michael Bay da vida) – o que só era confirmado pelo filme
“sério” que ele dirigiu entre os dois primeiros Piratas (O Sol de Cada
Manhã). No entanto, os dois primeiros episódios da série Piratas do Caribe
(A Maldição do Pérola Negra, de 2003; O Baú da Morte, de 2006),
e em particular o segundo, impunham dificuldades aos seguidores da vertente “autorista”
mais radical – aquela que condena ou absolve filmes baseado tão somente no juízo
anterior imposto a um cineasta. Afinal, convenhamos: se o primeiro era uma bem
sucedida tentativa de emular uma certa leveza de filme de aventura inconseqüente
no molde dos anos 30/40, e ainda criava um personagem antológico no Jack Sparrow
de Johnny Depp; o segundo enveredava de corpo e alma na melhor estirpe do filme
de ação ininterrupta e insana, apresentando o melhor dos resultados na mistura
da veia screwball que já aparecia no primeiro com o conforto de um orçamento
maior que o sucesso estrondoso do original permitiu. Pois,
Verbinski é mesmo uma caixinha de surpresas: se quando menos se esperava, fez
dois filmes bastante dignos em meio a um cinemão de filmes-evento cada vez menos
“cinematográficos”, agora que se ansiava pela continuação/fecho, ele assina uma
dessas bombas que o recolocam imediatamente no patamar das suas outras realizações.
Fato é que tudo que era inconseqüência no segundo episódio (que tinha a típica
liberdade dos “filmes do meio” em trilogias – onde nem é preciso apresentar um
elenco de personagens nem desfecho para as tramas), vira peso de toneladas nesse
último filme. À seqüência incessante de cenas montanha-russa deliciosamente desconexas,
segue-se agora uma enormidade de seqüências onde tudo que os personagens fazem
é falar, falar e falar, fazendo uma força descomunal para conseguir o impossível
(e, acima de tudo, desnecessário): dar nexo ao emaranhado de tramas à beira do
(quando não totalmente) surreal que foram sendo levantadas nos dois primeiros
filmes. Mais do que isso: se no segundo episódio o aumento
do orçamento se transformava em delicioso espetáculo da gastança ensandecida (onde
parecia o tempo todo que, ao modelo dos três Homens e Segredo de Soderbergh,
havia sido dada uma quantidade enorme de dinheiro para um monte de crianças crescidas
brincarem), aqui instala-se de vez o inchaço. Lembrando a terceira parte da trilogia
Matrix, a impressão é que Verbinski e companhia foram soterrados numa avalanche
de auto-importância, tanto na tentativa de construir um universo pretensamente
mítico de personagens (onde são especialmente ruins os Lordes Piratas e a “deusa
Calypso”, cuja presença em cena não faz o menor sentido – no pior uso da expressão)
quanto principalmente na necessidade de encenar tudo de maneira “bigger is better”,
que faz as cenas de batalha não terem qualquer sinal intenso de emoção – no que
lembra os confrontos da trilogia Senhor dos Anéis. Finalmente,
este No Fim do Mundo ainda consegue esgotar de vez qualquer sinal de comicidade
autêntica no Jack Sparrow de Johnny Depp. Se no primeiro o personagem era um sopro
de vida inesperado e auto-centrado num filme de aventuras tradicional, e no segundo
ele levava adiante seu espírito “larger than life” e conseguia contagiar o filme
todo com sua energia screwball, aqui ele parece o pastiche do pastiche
de si mesmo – o que só fica mais evidente com a patética participação de Keith
Richards como o pai do personagem, o equivalente cinematográfico de levar a sério
demais sua própria piada. Com a franca decadência do personagem como centro de
atenções do filme, fica constrangedoramente claro o que nos outros filmes ainda
se conseguia esconder: o quanto os personagens que circulavam em torno de Jack
eram fracos. A única dentre elas que consegue sobressair aqui e manter uma curva
ascendente de interesse dentro da série é a Elizabeth Swann de Keira Knightley
– que, no entanto, é carregada para baixo toda vez que precisa encenar uma história
de amor com o lamentável Will Turner de Orlando Bloom (ator mais sem carisma está
por surgir). Ao final, quando tenta encenar com “poesia”
a morte do vilão Beckett e o idílio romântico de Turner/Swann, e tudo que consegue
é uma seqüência de cenas constrangedoramente bregas e soluções óbvias, Verbinski
nos mostra sua verdadeira face: a de um cineasta que poderia ser um bom artesão
hollywoodiano se não cismasse em se levar a sério – tanto assim que parece incapaz
de perceber a calhordice intrínseca ao ato de tentar seriamente construir uma
mensagem “anti-comercial/pró-marginal” em um filme cuja estrutura de produção/distribuição
é a própria encarnação do imperialismo econômico-cultural. Na política “faça o
que eu falo/não faça o que eu faço” desse elogio aos piratas dentro da indústria
que mais briga contra a encarnação moderna destes, poderíamos até ver alguma subversão
em outras mãos: nas de Verbinski/Jerry Bruckheimer trata-se somente de uma combinação
esdrúxula de ingenuidade argumentativa (do primeiro) com oportunismo clássico
(do segundo). Para nós, o pior é de tudo é ter a certeza
de que o sucesso global da série (fruto acima de tudo do domínio de mercado típico
da Companhia das Índias Ocidentais moderna) garantirá a Verbinski um poder de
realização e “respeito” que, a notar pelo que vimos aqui, certamente o levará
cada vez mais longe da despretensão dos dois primeiros Piratas e de um
Ratinho Encrenqueiro (seu primeiro e talvez ainda hoje melhor filme) e
cada vez mais perto da chatíssima pretensão dos Sol de Cada Manhã e No
Fim do Mundo – provavelmente tornando-o uma espécie de clone piorado de Peter
Jackson. editoria@revistacinetica.com.br
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