in loco - cobertura dos festivais
Segurando as Pontas (Pineapple Express), de
David Gordon Green (EUA, 2008) por Fábio
Andrade Cinema
de autores
No número 9 da revista Paisà, há uma
citação de Greg Mottola – diretor de Superbad - É hoje – dizendo: "Alguns
amigos sugeriram que eu devia arranjar um assessor de imprensa só para informar
às pessoas que eu dirigi o filme". A colocação de Mottola é reveladora, e
encontra coro na impressão reinante em Segurando as Pontas: estamos diante
do segundo projeto dos roteiristas Seth Rogen e Evan Goldberg. Embora seja
um erro classificar a trajetória de Rogen e Goldberg como evidência de uma ampla
crise da autoria, é bastante claro que eles vêm provocando uma curiosa mudança
de foco da figura do autor cinematográfico, criando filmes que ficam mais
associados a seus roteiristas (dentro, é necessário dizer, do grande clã
de produção de Judd Apatow) do que a seus diretores – palavra que sempre
encontrou sinônimo em "realizador". Embora a escalação de David
Gordon Green – artista de trajetória de independente mais vinculada
a um circuito "de arte" – para a direção seja curiosa,
logo percebemos que seu trabalho se dá a partir de uma assinatura já
previamente marcada no roteiro, na co-realização de um filme que se desenha
como uma continuação de um projeto estético e narrativo anterior. Continuação,
sim, pois a suspeita de que Segurando as Pontas dialogaria
com a recente carreira de textos de Rogen e Goldberg se confirma quando percebemos
estar diante de uma "sequência" de Superbad, mostrando que
há, sim, um projeto de cinema particular à dupla. Embora isso
nunca funcione na chave da auto-referência (algo caro ao cinema de um Kevin Smith,
por exemplo), a repetição de certas convenções leva a crer que Dale Denton (Seth
Rogen) e Saul Silver (James Franco) seriam o devir natural da dupla Seth
e Evan, de Superbad. Mais uma vez estamos diante do afeto entre
dois amigos (prévio em Superbad, em desenvolvimento em Segurando
as Pontas), com direito a um novo McLovin (em Superbad,
garoto capaz de comprar bebidas alcóolicas; aqui, Red, um fornecedor de drogas
mais graúdo, interpretado por Danny R. McBride) e novos desdobramentos das mesmas
inseguranças. O que muda entre os dois filmes é justamente o tempo que passa:
as drogas ficam mais pesadas, a angústia pelo futuro acadêmico é transferida
para o presente no mercado de trabalho, a relação com o sexo segue tortuosa,
a polícia continua sendo o inimigo (embora, depois dos 25, já seja possível encontrar
até uma policial "do bem"), e as garotas – claro – são as
únicas que nunca envelhecem. Isso
significa que Segurando as Pontas é, como Superbad, uma comédia
romântica. Mas se lá o gênero era filtrado pelos olhos de dois adolescentes, o
novo filme de Rogen e Goldberg é uma comédia romântica pensada por dois
drug buddies. Essa fidelidade ao ponto de vista das personagens é valiosíssima,
pois faz com que a absurda cadeia de eventos narrada pelo filme pareça absolutamente
crível. Se saímos de Superbad com a imagem de dois colegiais criando o
roteiro enquanto matavam uma aula qualquer para ir tomar algumas cervejas nos
fundos da escola, Segurando as Pontas é escrito como se compartilha um
baseado, partindo de uma enfumaçada sugestão de roda de maconheiros: imagine se,
enquanto fumamos um tipo raríssimo de maconha, presenciássemos um assassinato,
jogássemos o baseado pela janela, e o assassino conseguisse nos rastrear por saber
que só nós poderíamos ter essa super-maconha (“Fumá-la é quase como matar um unicórnio”,
diz James Franco, em uma das inúmeras piadas geniais de todo o filme)? Para Rogen
e Goldberg não há verossimilhança; há apenas o interesse irrestrito na verdade
de seus personagens. Nesse
caso, a verdade de dois maconheiros se traduz como o sonho de dois homens feitos
com unhas cravadas em imaginários de meninos: explosões, perseguições de carro,
noites passadas no meio do mato, tiroteios, inimigos asiáticos em uniformes
pretos, e afiadíssimas piadas que cobrem da vagabundagem na internet
aos universitários que ouvem The Shins e Godspeed You! Black Emperor. Nada muito
diferente da perseguição policial de Superbad, só que agora as explosões
são maiores, os amigos mais assustadores e, ao fim, eles levarão a realização
de McLovin a novos extremos: em vez de um tiro de revólver em um carro despedaçado,
eles disparam rajadas de metralhadores contra os malfeitores que querem destruir
a amizade que existe entre eles. Ao fim, a viagem termina
da única maneira imaginável: com o fim da onda. Na manhã do dia seguinte, vemos
os três amigos em uma roda, exibindo suas novas marcas de batalha enquanto acalmam
seus estômagos com bacon, ovos e café. E circulando pela mesa a declaração que,
depois dos créditos, encerrava Superbad: “I love you, man”. Outubro
de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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