Pindorama - A Verdadeira História dos Sete Anões,
de Roberto Berliner, Lula Queiroga e Leo Crivelare
(Brasil, 2007)
por Julio Bezerra

Conflito e afetividade

Pindorama, A Verdadeira História dos Sete Anões é um documentário sobre sete irmãos anões que assumiram o legado do pai, o lendário Pindoba, “o menor palhaço do mundo”, e formaram um circo, o Pindorama. O filme começa com uma apresentação clássica dos personagens. Logo de cara, somos apresentados ao que os singulariza: a pequenez e o circo. Este é um documentário movido pela diferença que se materializa naqueles “pequenos” circenses. Berliner, Queiroga e Crivelare invadem um mundo que não é o deles, tendo esses personagens como porta de entrada. Eles são o centro do filme, o que mobilizou deslocamento geográfico e subjetivo dos realizadores e, mais tarde, de nós, espectadores.

Os cineastas individualizam os personagens e buscam nossa identificação. A trilha de Lula Queiroga, com canções para cada um dos irmãos, está ali para isso. Ela comenta, faz uma espécie de crônica bem humorada dos personagens, os valoriza. No Pindorama, os anões não são recessivos, mas dominantes. E o filme nos mostra de que maneira eles lidam com suas deficiências (dirigindo carros, no picadeiro, namorando, casando, etc). Os irmãos nos falam com muita franqueza de suas trajetórias e do funcionamento do circo, de suas hierarquias e rivalidades internas – embora Pindorama nunca tematize exatamente como eles fazem dessas deficiências uma fonte de sustento. Ao adentrar a intimidade desse universo, o filme fala do que nos é mais comum: os amores, o trabalho, as desilusões, os sonhos. Os realizadores não estão interessados apenas em uma exploração pelas diferenças entre espectador e personagens, como também (talvez sobretudo) pelos elementos que nos aproximam.

Essa é uma questão importante, também presente no último filme de Berliner, A Pessoa é Para o que Nasce (2003). Assim como seu antecessor, Pindorama é um filme afinado com uma das vertentes mais habitadas pelo documentário contemporâneo: os “anônimos extraordinários”.  São longas que tratam homens e mulheres ordinários, singularizados por suas retóricas e performances cênicas, assim como por conta de um tipo de disfunção. A cegueira e a pequenez dos personagens é fundamental. Se elas não fossem cegas e eles anões, o material teria menos apelo. Talvez não houvesse filme. Mas os documentaristas jamais dizem por que estão ali. Não que isso seja necessário, ou mesmo um problema. É, contudo, uma ausência a se considerar.

A comparação com A Pessoa é Para o que Nasce nos leva a outros caminhos. Devido a fatos que se deram ao longo de sua realização, este filme se viu tomado pela necessidade de incorporar e explicitar seus processos. Em diversos momentos, Berliner se viu obrigado a desviar o filme de um olhar sobre as três irmãs cegas para trazer a negociação entre eles. A Pessoa é Para o que Nasce expressava por linhas tortas uma percepção do documentário como um espaço de conflito, no que se configurava como a grande força do filme. Pindorama não, é um documentário imune a acidentes. Por vezes, em seus piores momentos, a montagem costura personagens e parece domar suas falas e os elementos que compõe a cena. É o caso, por exemplo, da seqüência em que se trata da performance sexual dos irmãos anões. No entanto, Pindorama constrói e revela personagens em puro conflito, com o mundo, com os outros e consigo mesmos. E, ainda assim, ao contrário de A Pessoa..., aposta na descrição de um espaço marcado pela afetividade. Este talvez seja o grande acerto do longa. Pois neste sentido, A Pessoa... e Pindorama acabam narrando universos diferentes. O do primeiro é o da pobreza, dos dramas e derrotas verbalizados pelas irmãs; enquanto o segundo é um filme sobre o livre-arbítrio, este complexo estado de prazer. É um documentário sobre conquistas, desafios, e superação de limites. No Pindorama, você pode ser qualquer coisa, basta ir lá fora e assumir o personagem.

Dezembro de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta