in loco - cobertura dos festivais
O Pai dos Meus Filhos (Le pèré de mes enfants),
de Mia Hansen-Love (França/Alemanha, 2009) por
Filipe Furtado
A
presença de um homem
O Pai dos Meus Filhos
é um filme de retrato. Cena após cena, o filme adiciona mais detalhes ao seu olhar
para sua figura central. Não se trata de uma investigação de personagem, que fique
claro: Mia Hansen-Love se interessa pela presença de mundo de Gregoire e a forma
com que ele influencia todos a sua volta. Esta impressão só é reforçada na segunda
metade, quando o protagonista “desaparece” de cena. As aspas ficam por conta do
fato de que Gregoire Canvel nunca some de cena totalmente, já que não há um plano
no filme que não trate da sua presença. Hansen-Love parte de um evento real envolvendo
Humbert Balsan, que começou a carreira como ator para Bresson e Rivette e terminou
produzindo filmes como O Intruso e Intervenção Divina. O filme está
longe de ser um roman à clef, mas certamente acompanha-se sua primeira
parte de forma diferente quando se conhece algo sobre a sua inspiração. Lá está
Gregoire, produtor de cinema consumido pelo trabalho, cheio de dívidas e às voltas
com uma produção desgovernada. Acompanhamos o personagem quase sempre ao celular,
lidando com problemas diversos, usando de seu tato preciso ao lidar com as dificuldades
que só reforçam como seus problemas com credores estão além do seu alcance. Boa
parte das seqüências que lidam com a empresa produtora de Gregoire lembra muito
o Irma Vep, de Assayas, tanto em como as relações entre arte e comércio
se apresentam como na forma generosa com que sugere todo um mundo amplo de relações
e interesses distintos. O que não deixa de ser algo impressionante quando se considera
que, ao contrário de Assayas, Hansen-Love não se desvia nunca do seu protagonista,
mas ainda assim consegue garantir que este seu entorno registre com grande força.
De fato, O Pai dos Meus Filhos deve ser o filme mais simpático já feito
sobre a figura de um produtor de cinema. Hansen-Love é cuidadosa ao delinear tanto
o prazer que Gregoire tem pelos filmes que facilitou como os diversos problemas
práticos que precisa solucionar. A figura do produtor é central a O Pai dos
Meus Filhos não só porque tudo na vida de Gregoire gira em torno do trabalho,
mas porque a forma como se relaciona com sua família não deixa de ser uma extensão
da sua função. A forma furtiva com que reage às dificuldades é a mesma, assim
como a maneira que encontra para dizer a coisa exata em casa. Em
determinado momento, a cineasta repete o mesmo procedimento que já realizara no
seu filme anterior (o bem menos interessante Tudo é Perdoado) e bifurca
a narrativa, com a primeira metade conduzindo até uma dissolução inevitável, e
a segunda lidando com os efeitos colaterais. É neste segundo movimento que a potência
de filme de retrato de O Pai dos Meus Filhos se solidifica. Gregoire não
está fisicamente presente, mas enquanto observamos sua esposa tentar chegar a
uma solução satisfatória para as dificuldades financeiras da produtora e a filha
mais velha procurando algum sentido maior ao pai ausente, a figura de Gregoire
se torna mais forte ainda. Gregoire não está mais lá, mas seus traços ficam registrados
de forma forte para todos à sua volta, e se antes ele existia sobretudo como um
pai ausente, agora é presente justamente pela sua continua ausência. As vidas
se eternizam, um pouco como os filmes. Outubro de
2009 editoria@revistacinetica.com.br
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