Pequenas Histórias, de Helvécio Ratton (Brasil, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

As melhores intenções

Imaginemos que Guimarães Rosa tivesse escrito as mesmas histórias comoventes que conhecemos, mas sem a prosa que o tornou único. Pior ainda: com uma prosa antiquada, de construção léxica paupérrima - certamente sobrariam poucos com o impulso de defendê-lo. Por isso, por mais que se reconheça um trabalho tão afetivo quanto Pequenas Histórias, não é possível de modo algum assisti-lo e tentar justificar depois a sua estética, não dá pra transformar água em vinho.

Helvécio Ratton pode ser considerado um diretor de ótimas intenções. Pequenas Histórias confirma o fato, mas junto a isso lembra que as boas intenções não garantem modos efetivos de expressão. O filme sofre de animosidade estética grave, e tudo é muito evidente. É como se fosse um daqueles filmes-problema do início do cinema falado, porque questões formais tão básicas como montagem e enquadramento estão lá somente para “animar” a história – que é simples: Marieta Severo é a contadora de história e enquanto costura uma colcha de retalhos, conta causos.

A personagem ressalta o poder do ato de se contar um conto – do casamento da Iara mãe d’água, do coroinha com medo da procissão de mortos, do homem vestido de papai Noel e do Zé Burraldo. O interessante disso tudo, é que a existência dessa personagem não chama a atenção para o conto em si, mas sim para a maneira de contá-lo, porque, se o ato de “contar” é o que dá vida ao conto, as formas narrativas, o repertório expressivo e a performance do narrador é o que diferencia a arte de se contar uma história do mero relato. Portanto, involuntariamente, Pequenas Histórias possui a chave que explica suas próprias fraquezas.

Outubro de 2007

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