in loco - II festival de paulínia
Desafiando o sucesso por
Francis Vogner dos Reis Ir
aos filmes é o que importa? Em primeira instância. Em qualquer festival
os filmes estão atrelados ao projeto do evento, que por vezes eclipsa a
fruição e o valor desses filmes. Ontem, dia 9 de julho, começou
o II Festival de Cinema de Paulínia. O que interessou na abertura, sobretudo,
foi o novo trabalho de Heitor Dhalia, À Deriva. Iremos a ele mais
tarde, porque cabe antes falar do festival e das intenções apresentadas
em sua noite de abertura, no que tange à sua política (intenções,
estratégias meios e fins) e a sua estética (um evento não
deixa de ser um fenômeno estético significativo).
Por
isso, no que diz respeito a festivais e mostras de cinema, é preciso -
antes de qualquer coisa - colocar em questão o evento, porque festivais
e mostras de cinemas não existem somente para dar visibilidade aos filmes
(ainda que alguns sirvam também para isso), mas, sobretudo, para costurar
tendências na produção recente e expor certa visão
e desejo de cinema. É a declaração de princípios ou
uma profissão de fé sobre o cinema que se quer, se necessita, se
pretende. Isso depende dos filmes que se escolhe, mas não somente deles.
Portanto, todo festival (qualquer um) prescinde de um conceito, e ele não
é só de caráter histórico e estético. É
bom que se veja os filmes do II Festival de Paulínia sob a ótica
de "conjunto de filmes", mas também sobre qual discurso se reúne
esses filmes, de que maneira eles e próprio festival são justificados.
Aqui
na Cinética se falará dos filmes especificamente já que por
si só eles possuem características e sintomas - de modo amplo -
da produção recente. Mas pra começo de conversa é
bom traçar brevemente o perfil que as solenidades dão ao festival.
E a abertura do II Festival de Cinema de Paulínia teve toda pompa necessária
a um espetáculo que aspira grandeza: vimos crianças de maiô
e cartola e pessoas vestidas de animais (gato, cachorro e até galinha)
dançando, assim como o famigerado tapete vermelho por onde passam as pessoas
célebres (artistas e principalmente não-artistas, conhecidas ou
não) em direção ao Theatro Municipal de Paulínia,
uma colossal construção de dimensões romanas com direito
a colunas, escadarias e "TH" na grafia. Como a
"grandeza" é que dá o tom (apesar das feições
simplórias da inacreditável coreografia das pessoas vestidas de
animais, o ponto alto da noite), o centro das solenidades de abertura foi o documentário
promocional sobre o Pólo Cinematográfico de Paulínia em que
se fala da infra-estrutura para a realização de filmes, dos estúdios,
dos cursos e do impacto econômico do projeto. Em uma tacada só, sobre
a cidade, o Estado e o país, com comentários do prefeito e secretário
de cultura e de figuras como o velho diretor de "elefantes brancos"
Sérgio Rezende e do jovem e bem sucedido produtor Fabiano Gullane. De modo
geral, os discursos da noite falaram do futuro a partir das condições
que o presente oferece e, pelo que parece, são fenomenais se levarmos em
conta os prêmios em forma de dinheiro que serão dados aos vencedores
(o que inclui ator, diretor e filme em todas as categorias). O
II Festival de Cinema de Paulínia, portanto, tem o sucesso como tema e
conceito. Temos o sucesso dos filmes internacionais de "etiqueta", como
os que foram exibidos em Cannes este ano - À Deriva, de Heitor Dhalia,
e No Meu Lugar, de Eduardo Valente -; trabalhos de diretores notabilizados
pela ousadia na matéria e na forma de seus outros filmes, como o documentário
Moscou, de Eduardo Coutinho, e Quanto Dura o Amor?, de Roberto Moreira;
o filme Destino é trabalho de Moacyr Góes, o mais prolífico
diretor brasileiro em poucos anos (onze filmes em seis anos); há as histórias
de superação, como a de um garoto de rua que se torna contador de
histórias (O Contador de Histórias, de Luiz Villaça)
e do documentário sobre as capacidades e talentos de deficientes visuais
(Sentidos à Flor da Pele, de Evaldo Mocarzel); documentários
biográficos que falam de figuras de sucesso em seus mais variados níveis,
de pop stars como Mamonas Assassinas em Mamonas, o Doc, de Claudio Khans,
e Herbert Viana em Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz,
à notoriedade de verniz intelectual como Caro Francis, de Nelson
Hoineff (sobre Paulo Francis) e Só Dez por Cento é Mentira,
de Pedro Cezar (sobre o poeta Manoel de Barros, que não por acaso é
um dos três escritores brasileiros mais vendidos). De quebra, a homenagem
do festival nessa segunda edição é ao produtor/diretor de
maior sucesso de bilheteria em tempos recentes, o poderoso Daniel Filho, que vem
acompanhado da exibição de seu último filme, Tempos de
Paz. A chave, portanto, é o sucesso. Para que
não fiquemos somente na concepção que o sucesso é
fruto da vocação dos filmes para o grande mercado, o festival concebe
que não é só necessário filmes que possuam potencial
para a bilheteria, mas que tenham vocação para o mercado: seja o
das grandes salas, do circuito de festivais ou daqueles que possam dar status
artístico ao cinema brasileiro. Importa a configuração do
cinema brasileiro no universo contemporâneo, e este universo passaria necessariamente
pela produção que se dá pelos meios oficiais, ou seja, que
prima pela "diversidade", tão propalada pelas políticas
públicas e mídia. Em Paulínia, o cinema parece "estar
bem na fita" e se lançando a um futuro promissor, já que, como
disse Marília Gabriela (MC da abertura), esse cinema brasileiro esteve
à deriva (sim, o termo foi esse e qualquer semelhança com o filme
de abertura é pura coincidência) durante um bom tempo e agora deslancha.
O que eu diria para Gabi é que o sucesso (pelo menos
o sucesso que é propalado em termos de mercado, seja ele qual for) no cinema
brasileiro é, apesar das exceções, um desejo e uma projeção,
respondida perfeitamente nas aspirações do festival e do Pólo
Cinematográfico de Paulínia. Por isso, é possível
dizer que o que ainda melhor exprime certa compreensão de indústria
de cinema protagonizado por Paulínia é, como evento, a cafonalha
do tapete vermelho e, no nível estético e espetacular, a coreografia
dos dançarinos vestidos de animais que começaram no palco improvisado
às vistas de uma platéia exígua e terminaram deslizando,
diabolicamente, pelo tapete vermelho, onde pareciam dispostos a invadir o THeatro.
Mas não adentraram no local repleto de pessoas em trajes de gala, deram
a volta e desapareceram. Julho
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
|