Patativa
do Assaré - Ave Poesia, de Rosemberg Cariry (Brasil, 2008) por
Julio Bezerra Estrada
tortuosa
O cinema de Rosemberg Cariry é marcado por uma missão: restituir
a história e as raízes da cultura popular do Nordeste. Patativa do Assaré –
Ave Poesia, seu mais novo filme, não foge à regra. É um documentário sobre
a vida e obra do poeta Patativa do Assaré (1909-2002), ídolo e amigo de Rosemberg.
A relação de admiração do cineasta com o poeta, mesmo nunca verbalizada, está
sempre presente, expressa na materialidade das imagens: o cineasta conheceu Patativa
há mais de 30 anos, editou alguns de seus livros, produziu alguns de seus discos
e recitais, e acompanhou de perto sua trajetória, seus embates políticos e a ascensão
como figura importante da cultura popular nordestina.
Entre
entrevistas e filmagens caseiras, de shows, recitais e eventos políticos, são
muitos os suportes: Super-8, filme 16mm, U-matic, Betacam, vídeo digital, etc.
Esses registros são mesclados a imagens de arquivo, depoimentos de especialistas,
críticos de arte, e fãs do poeta. O cineasta funciona aqui como um condutor ou
um oráculo. Como nos filmes mais recentes de Rosemberg (Cine Tapuia), Patativa
segue com a liberdade de um fluxo de consciência. Não somente um fluxo de imagens
que estabelece unidades de tempo, mas também um fluxo da vida, que concebe a condição
de seu personagem, a estrada por ele percorrida. É curioso, aliás, como essa noção
de estrada se aplica aos filmes de Rosemberg. E o sentido dessas estradas (apesar
ou mesmo por causa da poesia) é marcado pela tragédia. A tragédia como uma dimensão
da poesia, como uma marca da cultura popular. A
partir do velório do poeta, Rosemberg constrói uma narrativa ao mesmo tempo histórica
e biográfica. Patativa do Assaré – Ave Poesia relata a vida do poeta e
dos principais acontecimentos históricos do país, revistos a partir da poesia
e da vida dele. Mestre da arte da versificação, dono de uma musicalidade toda
particular, Patativa une o popular e o erudito, o lirismo e a denúncia social.
O filme funciona nessas duas dimensões: Rosemberg quer situar Patativa na história
do país, além de fazer de seu filme suporte para a poesia particular do amigo.
Está lá então o poeta-político da resistência à ditadura militar, que participava
de manifestações infantis, camponesas, sindicais. Patativa passa grande parte
do filme em palanques. É um caminho que não deforma a trajetória de seu personagem,
embora a sucessão cronológica de acontecimentos históricos soe algumas vezes forçada,
uma prisão estruturante. A cronologia dos acontecimentos
políticos e culturais brasileiros, redimensionada pela mediação da poesia de Patativa,
é intercalada pelos fatos mais marcantes de sua vida (a infância, a doença no
olho, a família, a prisão, o reconhecimento de seus pares, o problema na perna,
etc.) e por depoimentos e análises críticas da sua obra. São meras ilustrações.
O próprio filme parece se ressentir desse pontual didatismo. Isso porque Patativa
e sua poesia parecem imunes a canonizações. Em sua força não condensadora, os
versos do poeta sempre escapam do discurso pronto e oficial dos especialistas.
Por estes caminhos talvez tortuosos, Patativa do Assaré – Ave Poesia imanta
a vivacidade da poesia de seu protagonista. É essa força que garante graça do
filme. Junho de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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