Paris
(idem), de Cédric Klapisch (França, 2008) por Fábio
Andrade Em
turismo
Paris
é exatamente tudo que seu título sugere: filme-painel que passeia por todos os
clichês da sociedade parisiense e do cinema francês, transbordando doçura e personagens
neuróticos, amparados por baguetes, gateaux, janelas abertas, mulheres
elegantes, uma mal humorada gentileza, e brilhantes fontes de luz – sempre difusa,
a bem dizer. A combinação de alguns desses elementos gerou, recentemente, filmes
tão extraordinários quanto Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain
Resnais, e Em Paris, de Christophe Honoré; mas também sorrisos amarelos
como Um Lugar na Platéia, de Danièle Thompson, e o irregular coletivo Paris,
Eu Te Amo. Filiar-se a um gênero, obviamente, não determina
a qualidade de filme algum. Em Paris parece pinçar o maior número possível
de clichês de todo o cinema francês, mas injeta nesses signos vivacidade tamanha
que temos impressão de estar diante deles (ou da força que eles emanam) pela primeira
vez. Medos Privados em Lugares Públicos parte de uma aparente rasura para,
em um dos jogos mais bem articulados de Alain Resnais, aos poucos revelar camadas
infinitas de profunda leveza. Esses dois filmes vêm logo à cabeça durante a projeção
do mais novo trabalho de Cédric Klapisch (diretor dos populares Albergue Espanhol
e Bonecas Russas), seja pela reencarnação de um personagem (o Pierre de
Romain Duris, é uma versão mais afetada de seu Paul, de Em Paris) ou pela
repetição do espatifamento de solidões do último Alain Resnais (Medos,
sim, mas também Amores Parisienses). O que, no entanto, faz com que esse
Paris nunca alcance uma força minimamente sedutora?
Em
primeiro lugar, por Cédric Klapisch confundir grosseiramente a
pluralidade de protagonistas com uma total falta de foco. Embora
o filme tenha um núcleo especialmente interessante (o de Romain
Duris e Juliette Binoche), a explosão de uma dramaturgia octópode
faz com que alguns personagens (o imigrante camaronense, maior
exemplo) pareçam incluídos por mera obrigação pluralista de correção
política. Ao obrigar-se a trazer certas “grandes questões” para
sua Paris, sem dedicar atenção especial a elas, Cédric
Klapisch comete um dos mais básicos deslizes: revela sua inclusão
como dever cívico, e não como interesse artístico. Em nome dessa
obrigação moral de diversificar ao máximo seu painel, Klapisch
sacrifica a intimidade que rende os únicos e breves suspiros de
inspiração de seu filme. Mata o todo pelas partes.
Em
segundo, pelas tentativas de retrabalhar estereótipos e clichês serem, todas elas,
ainda mais estereotipadas. Desde a oposição clara entre a irmã que desistira da
vida (Juliette Binoche) e o irmão que se vê com os dias contados (Romain Duris),
ao romance entre o professor (Fabrice Luchini) e sua aluna (Mélanie Laurent),
toda tentativa de arejar a dramaturgia vem solucionada com outro clichê, outra
desgastada convenção. Seja com a intenção de quebrar os moldes das personagens
(a constrangedora dança de Binoche na festa; ou a ainda mais constrangedora imitação
de roqueiro de Luchini), ou de transportar alguma inventividade visual à narrativa
(aquele embaraçoso sonho em 3D Max), Klapisch toma sempre os caminhos mais fáceis,
mais pobres, mais esperados.
Em
terceiro, por Paris nunca estabelecer um registro de relacionamento
coerente com sua personagem principal: Paris, a cidade. Assim
como salta de um braço dramático a outro, Klapisch oscila entre
o espaço habitado e o cartão-postal em uma caminhada programada
o suficiente para passar por todos os marcos visuais da cidade,
mas previsível demais para que se permita encantar com as luzes
ao seu redor. Tomada pela vontade de ter um dia feliz, a personagem
de Mélanie Laurent a certa altura diz: “Então vamos fingir que
somos turistas idiotas?”. De certa forma, essa parece imagem adequada
para traduzir a câmera de Klapisch em Paris. Ela agenda
sua viagem com tempo suficiente para ver a cidade oficial, mas
nunca se deixa penetrar os ambientes e apreender a experiência
de se viver naquele espaço. E faz a viagem de volta com a sensação
de que, para conhecer a Paris que conhecera, talvez nunca precisasse
ter saído de casa.
Outubro
de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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