Pânico 4 (Scre4m), de Wes Craven (EUA, 2011)
por Raul Arthuso

Bravura IndômitaHorror tão humano

Ghostface, o assassino lançado em 1996 pelo primeiro Pânico, é um qualquer: andando por aí junto aos inocentes, se disfarçando para cometer seu banho de sangue. Vinha daí o frescor do filme: ele trazia o terror para o nível do homem, enquanto a maioria dos assassinos dos slasher movies são de outra ordem (ou seres sobrenaturais, como Freddy Krueger e Jason Voorhees; ou então lunáticos indestrutíveis como Michael Myers de Halloween). Isso soava ainda mais natural naquele filme, uma paródia dos filmes de terror: os personagens tinham consciência de que viviam num mundo pós-Psicose, Halloween, Sexta-Feira 13, Massacre da Serra Elétrica e citavam a todo instante as regras do gênero. O filme de Wes Craven fazia troça do terror, para reafirmá-lo em novos tempos de consumismo de imagem via VHS e televisão, onde a imprensa era capaz de espremer quanto sangue fosse necessário de suas narrativas.

Passados dez anos do terceiro filme da serie, eis que Wes Craven retorna a seu último sucesso. E não chega a surpreender que parte dos comentários seja de reprovação: por que mais um? Afinal, é um público bombardeado nesta década por continuações infindáveis, prequels, refilmagens. O terror pós-11 de setembro voltou para seu estatuto sobre-humano: há o sobrenatural como O Chamado, O Grito, Atividade Paranormal, e o maníaco indestrutível de Jogos Mortais. Espremido entre o terror além-do-homem e a banalização da vida atrás da superexposição das imagens, Pânico 4 tenta trazer mais uma vez o terror para o nível do homem. A morte no cinema tem um poder impressionante sobre o espectador: afirma o valor da vida dos sobreviventes. O terror parece não mudar muito em essência, mas em proporção dos anos 90 para cá: mais imagens, mais continuações, mais sangue. Em Jogos Mortais, a morte se assemelha com a cobertura jornalística atual: interessa mais a exposição da dor exagerada dos dramas segundo as regras. De novo, quanto mais, melhor.

O acerto de Pânico 4 está na autoconsciência de seu contexto. Se o primeiro Pânico era uma paródia do gênero, Pânico 4, com seu recuo histórico, é uma releitura de si mesmo. Na primeira cena, uma garota atende o telefone e reproduz ao pé da letra a primeira cena de Pânico (a famosa sequência com Drew Barrymore) para, quando atacada, perceber-se claramente que são dois assassinos que a perseguem e não apenas um. Logo em seguida, esta revela-se uma cena de Stab 6, o filme-dentro-do-filme baseado na história de Sidney Prescott (Neve Campbell) – uma cena que ironiza a explicação dos assassinatos do primeiro filme e ainda tira sarro das infinitas continuações de Jogos Mortais, um dos grandes sucessos do horror da década. Não apenas as regras do gênero são trazidas à tona, mas, principalmente, as regras da própria franquia – uma plena consciência do realizador de que suas imagens foram completamente absorvidas pela cultura pop nesses quinze anos.

O maneirismo de Wes Craven diz respeito não apenas aos outros – o que seria uma postura de confronto –, mas também a si mesmo, como um guerreiro que aceita o desafio da batalha. Pois, se na década de 90, o home video popularizou a imagem cinematográfica a ponto de as regras do gênero pairarem no ar, até a televisão se apropriar delas para criar suas narrativas que abordavam o “real” (e estava lá o primeiro Pânico para apontar esse dado), esta década parece indicar a banalização total das imagens produzidas, agora, por qualquer com câmeras caseiras. Pânico 4 aponta o dedo para a repetição das imagens: o assassino não está apenas seguindo as regras do gênero, mas reproduzindo passo a passo o caminho do assassino original – e filmando suas ações (assim como os rapazes que fazem um webjornal ao vivo enquanto andam pelo colégio, vão a festas, organizam um debate com Sidney). Não basta, agora, apenas viver; é preciso registrar a vida como se só viver não valesse a pena. Reprodução à exaustão, mas principalmente repetição tal e qual, mesmo que seja necessária uma exposição da vida (que já não vale nada).

Entre o assassino que está refilmando os eventos de quinze anos atrás e os jovens que querem fazer parte de um grande filme da vida real estão os personagens antigos, Sidney, Gale (Courtney Cox) e Dewey (David Arquette) cuja inabilidade com os novos tempos é inversamente proporcional ao instinto de sobrevivência. Em dado momento, um deles diz que “a tragédia de uma geração é a piada da seguinte”. Sidney Prescott é vista no filme como amaldiçoada: a comunidade vê nela uma onda de crime que a acompanha há quinze anos; mas, sua verdadeira maldição é viver. Pois, em tempos de Chico Xavier e atividades paranormais por aí a vida não vale muita coisa, já que é apenas passagem: a “verdadeira vida” está em outro lugar, além-túmulo.

É interessante notar que no primeiro Pânico apenas a repórter Gale se destacava ao final do filme cobrindo o desfecho da onda de crimes, enquanto que aqui no quarto filme há um travelling com inúmeros repórteres de rostos desconhecidos no filme dizendo frases de efeito – procurando “heróis”, “vilões”, “vítimas” (talvez “monstros do Realengo”). Em uma entrevista sobre seu mais recente filme (sobre criminosos no corredor da morte), o cineasta Werner Herzog diz: “os crimes, em todos os casos que vi, são monstruosos. Contudo, as pessoas que cometeram os crimes são humanos”. Pânico 4 é filme no qual heróis e monstros são humanos. Quando o assunto é no nível do homem, a vida é cheia de dor e trevas, e ainda que seja preciso sair delas (o livro que Sidney escreve no filme chama-se Out of Darkness), ela é, antes de mais nada, necessária de viver. Isso não cansa a repetição.

Maio de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta