em primeira pessoa
Os deuses também morrem
por Diego Assunção
Seu
nome era Volodymyr Palanyuk, californiano descendente de ucranianos,
com um pouco mais do que um metro e noventa de estatura. Volodymyr
foi boxeador, herói de guerra, escritor e pintor, mas foi na profissão
de ator que definitivamente encontrou seu espaço. Ele tinha 87
anos, mas mesmo com a aguda rouquidão e as rugas que o acometeram
parecia imortal. Poderia, sim, envelhecer, como envelhecem as
antigas estátuas gregas, mas nunca deixar de existir.
Jack Palance era da estirpe de um Lee Marvin,
ator de traços rudes e trágicos. Essas características o relegaram
a condição de coadjuvante na maioria das produções nas quais se
envolveu. Mas seja como caubói vilanesco (Os Brutos também
Amam - acima), o conde Drácula (em uma produção televisiva
dos anos 70) ou como chefão do crime organizado de uma soturna
metrópole (no primeiro Batman, de Tim Burton), Palance
se destacava no quadro pelo seu total controle dos mais sutis
gestos, ele era capaz de desestabilizar o ritmo de toda uma cena
com o simples arquear das sobrancelhas.
Palance
era ator gigantesco também no que concerne o talento, como o fora
o esguio (“skinny” chamariam os americanos) Humphrey Bogart ou
o corpulento Marlon Brando. Seu poder imagético rendeu uma memorável
parceria com o rebelde cineasta Robert Aldrich nos anos 50, tendo
atuado em três filmes do diretor, incluindo o papel de um astro
em decadência no visceral A Grande Chantagem (ao lado),
filme que influenciaria os cineastas franceses da Nouvelle Vague
– principalmente, Jean-Luc Godard, que o escalaria, em 1963, para
o papel do produtor de cinema Jerry Prokosch na obra-prima O
Desprezo (ver no Plantão
do YouTube).
É do filme de Godard a célebre frase pronunciada
por Palance: “Eu adoro deuses, eu gosto muito deles. Eu sei exatamente
como ele se sentem, exatamente”. Ao lado da exuberante Brigitte
Bardot, do cineasta Fritz Lang (que interpretou a si mesmo) e
do ator francês Michel Piccoli, Palance pôde colocar em prática
toda sua genialidade em um papel desagradabilíssimo, o produtor
que sempre saca o seu talão de cheque quando ouve a palavra cultura.
Selvagem e teatral, Palance fez o megalomaníaco produtor como
se estivesse realmente interpretando um deus em alguma peça grega
A sua entrega ao papel, sua selvageria, é tamanha que se tem a
impressão de que a película poderia se rasgar a qualquer momento
enquanto ele permanecesse na tela.
Provavelmente será lembrado pelos seus filmes
menores, como a comédia que lhe deu um tardio Oscar, Amigos,
sempre Amigos (no qual fez uma auto-paródia do seu papel em
Os Brutos também Amam), ou como apresentador do programa
televisivo Acredite se Quiser, mas em cada obra de sua
vasta e pouco seletiva carreira é possível encontrar fragmentos
de sua genialidade. A parceria com o ator e comediante Chevy Chase
no fraco Confusão em Dose Dupla, de 1994, é memorável nesse
sentido. Nele, Palance interpreta o casual tira durão (uma espécie
de paródia ao tipo “Dirty Harry” de Clint Eastwood), que conta
com a ajuda de Chase, um típico pai de família suburbano norte-americano,
para prender um bandido perigoso. Por trás de uma comédia pouco
inspirada, Palance parecia se divertir ao contracenar com Chase,
divertia-se com ele talvez porque Chase representava, assim como
ele próprio, um estilo de atuação dos velhos tempos: a do papel
que se incorpora ao ator e não o contrário.
Há anos Palance vinha realizando apenas pequenas
participações em seriados televisivos. Na verdade, há três décadas
ele vinha realizando apenas pequenas participações em filmes decisivos
e em outros menos importantes. Faleceu, de causas naturais, no
dia 10 de novembro desse ano – mas sua ligeira passagem por esse
mundo deixa profundas marcas na História do Cinema. Os deuses,
definitivamente, também morrem.
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