Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro (Brasil, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

O trajeto de Spolidoro

Ainda Orangotangos aposta em um projeto em que, se o ponto de partida não é original (e não é), ainda assim demanda uma capacidade de realizar algo que faça valer muito mais do que a atenção voltada toda ao dispositivo (fazer um filme todo em plano-seqüência). O filme teria grande oportunidade de ser irregular e naturalmente imperfeito - e Ainda Orangotangos é exatamente isso. O cineasta optou pela possibilidade da experiência em detrimento do rigor do resultado.

A história dura quinze horas, o filme dura uma hora e meia. Spolidoro parte de um trem com dois japoneses, depois segue um garoto torcedor colorado até um ônibus; de lá nos vinculamos a outra personagem, vamos para um prédio, e a história se segue. São várias histórias que se cruzam, a partir do cruzamento entre personagens em trânsito. Algo como Wong Kar-wai fez nas duas partes de Amores Expressos. As histórias não se fecham e esses filmes (o de Kar-wai e Spolidoro) terminam em andamento. Só que tudo isso é feito em plano-seqüência em Ainda Orangotangos.

Existe um gosto pelo dispositivo do plano-seqüência, uma relação com a cidade, seus elementos, personagens e referências (culturais em um aspecto mais amplo, pessoais de uma maneira mais específica), que resulta em um filme orgânico. Em um certo aspecto, Ainda Orangotangos pode ser comparado a 5 Frações de uma Quase História: são ambos trabalhos que buscam fazer um inventário pop e uma geografia da cidade (em 5 Frações, Belo Horizonte; em Ainda Orangotangos, Porto Alegre), com seus referenciais, voluntária ou involuntariamente, nos anos noventa. A diferença é que enquanto Gustavo Spolidoro sabe exatamente o que quer do seu dispositivo, pensando intrinsecamente o que quer contar e como quer contar (mesmo que o resultado seja muitas vezes insatisfatório), 5 Frações vive uma esquizofrenia e um entupimento de informações visuais e sonoras.

Spolidoro é tão interessado no que está fazendo que os eventuais erros derivam de sua opção: problema de ritmo, desarmonia entre registros etc. Mas existe um gosto pela experiência que faz com que o filme tenha grandes momentos ao longo de sua projeção.

Janeiro de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta