em primeira pessoa O
presente, hoje por Felipe Bragança
Não me peça ordem, me peça vontade:Este
podia ser um artigo. Ou um conto para meu amigo Ivo – ele que mora lá no Ceará
onde venta muito e tem luz demais. Como ele sempre diz, “tamo apenas começando”,
isso aqui talvez seja um pedaço, só uns pedaço, daquilo que alguém pode chamar
de PRESENTE. O cinema brasileiro chegou ao presente em Tiradentes!? ... Momentos
históricos se definem pela forma como conjugam de tal maneira a concentração de
personagens pregnantes, com ações determinantes e sua capacidade de propagação.
A 11a Mostra de Cinema de Tiradentes talvez tenha sido o primeiro evento
cinematográfico do século XXI (e talvez dos últimos 20 anos...) a poder ser chamado
esteticamente de um momento assim no Brasil. O que Cléber Eduardo (sim, sim –
o nosso editor) fez por lá na curadoria do evento, está perto das grandes reuniões
geracionais/estéticas que o país já viu – ao reunir, de fato, grandíssima parte
de um cinema brasileiro contemporâneo (entre jovens muitos e alguns veteranos
vivazes) – realizadores e crítica! – que, se não se caracteriza por um movimento
coeso de articulação imagética, tem em comum, nas palavras de Bruno Safadi, certeza
de ser: Artesanal. Coletivo. Apaixonados pelo CINEMA. Jovens
ou juventude?Fui convidado para falar sobre juventude,
em parte talvez pela pesquisa empreendida pelo meu longa-metragem, mas talvez
por mais que isso. Esse era o tema do Festival: a noção dos jovens, juventude,
trânsito e renovação. Renovar é sempre substituir? Fiquei pensando... falar sobre
juventude no e do cinema brasileiro hoje é o quê? Não é
falar sobre nichos de mercado, sobre didáticas educacionais dirigidas, não é falar
de filmes endereçados a uma suposta juventude. Muito menos de filmes que representam
a juventude, os tais jovens, como forma de doença a ser curada, superada, adultificada
como fase. Esse fascismo onde o saudável é sinônimo do estável e do calmo. O que
nos interessa na juventude, na noção mesma de juventude, é o lugar do superficial,
do risco, da ansiedade, da aventura e da IGNORÂNCIA. Ignorância
como foco daquilo que se leva ao superficial. Ao pulso critico e superficial,
aventuroso. E o que há de mais crítico-aventuroso e ignorante do que a própria
natureza do frame, do que um fotograma cru, virgem, daquilo que precisa
ser ignorante para poder ser novo, para se impregnar do novo. E o que há de mais
ignorante, nesse sentido, do que a arte? A juventude aqui
nos interessa como ignorância – imagem – arte. E se a arte
é a vontade de ver de novo, não apenas mais uma vez, penso na historieta que me
chegou ao ouvido sobre um cineasta que, ao convidar um renomado fotógrafo brasileiro
para fazer um filme, o levou para o interior de Minas Gerais e perguntou: e ai?
O que você vê? O fotógrafo, experiente e calmo, maduro, respondeu: olha, já vi
isso muitas vezes, já fotografei isso muitas vezes... o sertão, os gerais, e por
isso eu acho que já sei, já sei como é um céu azul, como é a cor da terra... Vai
ser fácil. E aí o diretor de repente parou, parou e disse aquilo que lhe veio:
olha, não quero mais que você fotografe meu filme. Porque não quero ninguém aqui
olhando apenas mais uma vez. Eu quero alguém olhando de novo!! A
diferença entre olhar de novo e olhar mais uma vezE então
a juventude é acima de tudo uma postura política, de forma de relação, de afecção.
Não é uma questão de idade, mas de vivacidade, comportamento. Renovar é coisa
de idade orgânica? Cinema, cinema, cinema – nos ajude. Acho que a grande questão
que Tiradentes conseguiu esse ano foi conjugar a presença, dar vazão a uma série
de vontades e desejos de imagem que estavam dispersas entre sites de cinema, esbarrões
em festivais, trocas de emails, O que se discutia em Tiradentes,
bem lá no eixo de tudo, era então a forma de se comportar de um cinema brasileiro
formatado e dos cinemas brasileiros que podem surgir e que já surgem em torno
do estabelecido como maduro, correto, comportado. Como em
A Vila de Shyamalan, a menina cega que sai daquela redoma justamente por
que ignora, por que não vê é aqui a possibilidade desses outros cinemas, olhares,
ampliarem as possibilidades da fuga, da brecha, da descoberta, justamente por
sua ingenuidade, sua fragilidade essencial. Sua crueza. Se o cinema brasileiro
envelhecido parece, estética e estruturalmente, preso a essa vila de produções
exageradas e bons mocismos perfumados, a cegueira de quem ignora essa cartilha
é a possibilidade de ver. Ver DE NOVO! Imagem jovem então
como esse risco. Mais que o risco, o risco e a critica. A Arte. A juventude? A
CORAGEM. “Alguma porra aconteceu aqui”, era o que Daniel
Bandeira andava repetindo e era o sentimento geral. Por isso é que o Ivo, o Ivo
Lopes Araújo, tava com aquele brilho nos olhos. Ele, que no Ceará desponta como
representante de uma nova geração de realizadores, é o encontro preciso entre
a sagacidade e a doçura, a calma com gana. A forma como seu Sábado à Noite
parece querer recomeçar a olhar a vida, é o sinal do norte que o Festival de Tiradentes
e a curadoria de Cléber nos dá: a vontade de olhar um pouco mais, adiante. Se
a potencialidade estética do trabalho de Ivo se espalhar na produção dos jovens
meninos da Escola do Audiovisual, podemos esperar que do Ceará, nos próximos ano,
um verdadeiro pais cinematográfico se erga. Essa, aliás,
era a sensação: o sentido de emergência, de um emergir do chão de algo que há
muito ali estava. Essa geração que parece levada pelo pulso de sensações, pelas
afecções do corpo e da câmera, e que está acima de tudo testemunhando seu tempo
com uma combinação arriscada, firme, de crítica e amor, de paixão e intervenção.
Se nos primeiros anos dos anos 2000, alguns talentos desarticulados apareceram
e se firmaram (Aïnouz, Brant, Gomes, alguns outros), o que me parece claro aqui
é que essa geração que estréia no longa-metragem hoje pode sim ser chamada de
uma geração – que, mais uma vez, se não se conforma como movimento, se esbarra,
se sente parte de uma mesma confusão sensível. João Miguel, ator homenageado na
mostra, dizia isso em um dos debates: que o que impressionava a ele era ver que
formas alternativas de produção e aquele desejo de olhar, poderiam levar a formas
alternativas de imagem que não necessariamente deveriam ficar presas aos formatos
pequenos de produção mas contagiar outros cinemas brasileiros. Contagiar.
Entusiasmo. Deus por dentro. Música e propagação. Esse
encontro, ali, nesse risco histórico que o Cléber correu, parecia enfim juntar
uma série de pequenos pontos sem nó desses últimos 10 anos de cinema. Afirmar
os mestres vivazes (Bressane, Carlão – lembro sempre de Coutinho), por exemplo,
e afirmar que será nessa capacidade de troca, contaminação e inteligência que
o cinema no Brasil vai encontrar (está encontrando) um pulso monstruosamente bonito.
Um monstro musical – imagens que se propaguem feito febre. Curtas e longas: Marco
Dutra, Juliana Rojas, Caetano Gotardo, Ivo, Kleber, Helvécio, os meninos novos
aqui do Rio... Que outro lugar reuniu de forma tão precisa essa amizade cinematográfica
celebrada em curtas, trocas de filmes baixados da web, conversas de bar, discussões
acaloradas. Ver e gostar de cinema. É louvável a coragem
e a pertinência da produção de um evento tradicional como o da Mostra de Tiradentes,
acreditar na coragem e na teimosia de um rapaz feito o Cléber que, depois de dar
um pé na bunda na Época DELES, veio à tona para organizar uma das coisas mais
importantes do cinema de seu TEMPO. E cada realizador ali, de CE, PE, SP, RJ,
outros mais dessa AURORA, pareciam de alguma forma estar tomando consciência de
algo que já se sabia, que estava oculto numa suposta diluição, mas que na verdade
era firme e já se tornava óbvia: de que o curta-metragem brasileiro há 10 anos
é o território onde sobreviveu e agora bate na porta do longa-metragem com uma
bela duma pisada, o verdadeiro cinema corajoso brasileiro. CHEGA
DE DISCURTIR MERCADO X ARTE. A gente ta falando de outra forma de vida! De outra
forma de imagem e circulação. Viver DE cinema, não viver DO cinema. Para isso
é importante ao mesmo tempo embate e vigília, agressividade e capacidade de perceber
este momento histórico, Essa oportunidade histórica que passa desde o acúmulo
imagético dos últimos 30 anos (desde os tão cantados anos 60-70) e também das
possibilidades que algumas resistências inteligentes da política pública condicionou...
Como disse o Bruno Safadi: resta a essa geração ser corajosa, honesta e coerente
com essa sua juventude de estreante. Que esse raio caído na cabeça nunca nos falte. E
isso inclui cineastas e inclui crítica (Filmes Polvo, Cinequanon, Paisá...), e
inclui curadorias e técnicos, montadores, fotógrafos, produtores... Produtores!
Veja só: nos faltam produtores energéticos e novos! Onde estão?? Se apresentem!
Uma vez me disseram – produtores se encontra em qualquer lugar. HAHAHA Morri de
rir. Há de se cuidar bem e propagar de forma diferenciada
esse lugar que não surgiu à toa, que não veio por acaso: não tem como não pensar
nas reuniões de botecos na Rua Augusta no Festival de Curtas, nas noites da Contracampo
(alguém escreva uma ode à Contracampo, por favor!!) ali no Plebeu, em Botafogo,
não dá pra esquecer daquela cara desconfiada que o Kleber Mendonça carrega desde
que ele apareceu com aquela coisa maravilhosa chamada Vinil Verde e que
foi, ali em Tiradentes, amarrar tudo diante de seu filme, Crítico – ali,
abrindo caminho pra uma nova forma de vida inteligente em que tudo pode recomeçar
pelo embate, fluidez, corrosão, vontade. São muitos os donos desse belo complô,
e não dá pra esquecer do Festival Brasileiro de Cinema Universitário (por conseguinte,
da UFF), do Hernani Heffner, do Festival de Santa Maria da Feira. Só
não vê quem já tá cansadoAfirmo sem medo de bobagens: FECHOU-SE
UM CICLO. COMEÇOU TUDO DE NOVO!!! Final? Máquinas do tempo,
podemos parar. Cabou-se a viuvez, cabou-se. Se gente já tinha fazendo filme, gente
já tinha escrevendo, agora está aberta a maior janela para que este cinema se
jogue na tela e sobre as pessoas, pra afogar uns, chatear alguns, e deliciar uns
muitos. Deixemos os tapetes vermelhos pros barões. “Tamo só começando”, sim...
mas já CHEGARAM. E pra falar aqui do Rio, do meu Rio de Janeiro,
ficamos felizes de saber que, apesar das artimanhas dos mastodontes burocráticos
instalados no meu balneário, ainda vivemos alegres a possibilidade de coisas desgovernadas
como os filmes do Bruno acontecerem – a agitação dos curtas e cachaças, uma identidade
local, regional, pequena, mínima, caseira, artesanal. Estão vindo novos longas
de guerrilha, raiva e amor, negando a pecha de centro de tudo e alma de nada dessa
cidade bonita... E aprendendo a ser centro das imagens de si mesma. O
Anti-Globismo é a esquina de tua casa. É o nosso coração quente e cheio de mato!
Essa é uma missão que o cinema jovem do Rio de Janeiro tem: negar as sínteses
sintomáticas de nação/sociedade e reencontrar nossos afetos, nossos corpos pesados
dentro d’água. E celebrar os fundos de quintal arrogantes e tranqüilos de nossos
projetos coletivos, que – apesar da estupidez da iniciativa pública regional,
persistem. Janeiro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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