O Palhaço, de Selton
Mello (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso
Força
no conjunto
Apesar de O Palhaço partir de um clichê
(o palhaço melancólico que faz os outros rirem, mas não vê mais
alegria na vida) e de se utilizar eventualmente de algumas metáforas
batidas ou óbvias (como a maçã na mão da mulher pecaminosa e o
ventilador como objeto de desejo para alguém que precisa mudar
sua vida), o principal a se anotar, de saída, é que o novo filme
de Selton Mello é engraçado, o que já vale bastante coisa quando
se trata de uma comédia. O filme é quase uma metralhadora giratória
de piadas, em sua estrutura episódica costurada pela trajetória
de Benjamim (Selton Mello) em busca de um sentido para sua vida
- mas grande parte das cenas isoladas são muito bem resolvidas,
tanto pelo trabalho do elenco (cheio de figuras com forte significado
no imaginário do espectador como Paulo José, Moacir Franco, Ferrugem,
Danton Mello, Jackson Antunes e Jorge Loredo), como por muitas
das cenas serem realmente bem escritas e atuadas numa linha fina
entre o clown e o exótico.
Mas antes que alguém diga que a matriz é o clown
felliniano, a influência parece muito mais próxima. O Circo Esperança
é herdeiro direto da Caravana Rolidei de Bye, Bye Brasil.
Porém, se no filme de Diegues a chave era uma revisão do “milagre
brasileiro” dos anos 70 e a mudança do país, Mello faz uma história
universal, mais interessada na transformação do protagonista que
nas contingências do país. Benjamim é um análogo de Ciço, personagem
de Fábio Júnior no filme de Diegues, enquanto que Lorde Cigano
(José Wilker em Bye, Bye Brasil) ecoa no personagem de
Paulo José – uma figura envelhecida, ainda que retratada com carinho,
mas que já não pode tocar o circo sozinho. A diferença entre os
dois filmes é sinal dos tempos: Diegues queria dar conta do Brasil
e suas transformações, tanto sócio-econômicas quanto de imaginário;
Mello olha para si em busca de autoconhecimento e afirmação.
É
nisso que o filme fraqueja: o eixo narrativo que se volta para
o conflito existencial de Benjamim é menos interessante que os
coadjuvantes do circo e as figuras exóticas encontradas pelo caminho
das andanças dos circenses. A previsibilidade dos rumos (como
a busca da mulher idealizada e a entrada em um emprego de rotina
para o qual não tem vocação), esvazia o interesse por esse personagem.
Não por acaso, quando Benjamim abandona o circo na meia hora final,
e todos os companheiros saem do filme, o filme se perde até o
retorno do filho pródigo ao circo. Mais uma vez é inevitável a
comparação com Bye, Bye Brasil: onde lá havia uma constatação
quase melancólica de que a Caravana Rolidei, como metáfora do
cinema, continuaria a existir apesar de tudo, em O Palhaço há a afirmação
da vocação. Ela se volta invariavelmente para o indivíduo. É uma
afirmação, em essência, do profissional.
Julho de 2011
editoria@revistacinetica.com.br
|