O Ilusionista (The Illusionist),
de Neil Burger (EUA, 2006) por Paulo Santos Lima
Imagem sem magia “Ilusionismo” é
um termo bem aplicado tanto à arte do cinema quanto à da mágica. Ambas trabalham
com objetos (imagens, no caso do cinema) que aparecem, somem, deslocam-se graças
a uma ilusão criada pela manipulação. A do cinema, mais tecnológica, e a da magia,
mais misteriosa ou habilidosa. Não por acaso Orson Welles tinha em altíssima conta
a mágica. Nesse sentido, é curioso que os dois recentes filmes com mágicos estuprem
tanto o grande mandamento da arte da magia, que é o segredo do truque – percorrendo
um enorme percurso dramático para chegar ao desvendamento do mistério. Não nos
interessará aqui O Grande Truque, obra rococó de Christopher Nolan, que
não tira absolutamente nada de sua cartola (e já criticado na revista). Já em
O Ilusionista, Neil Burger usa menos pátina visual, assim mostrando melhor
seu esqueleto. Se a primeira seqüência se mostra um tanto
maneirista, com luz branca ultra-artificial fotografando imagens meio aceleradas,
histéricas (algo que intencionalmente retornará no deus ex-machina final),
o resto segue o protocolo das produções de época: temos, então, aquela robotização
dos atores, que se fazem sempre solenes, com roupas idem e em situações igualmente
de gala. Nessa dinâmica engrenada como um relógio, a mágica torna-se, então, um
acontecimento diegeticamente valioso (para aquelas pessoas na cena do Império
Austro-Húngaro dos 1900). Mas também caro à narrativa, porque ela, pontuando cada
passo do desenrolar dos personagens, está a ensaiar um grande número de magia. Edward
Norton, grande ator que salta do naturalismo ao over acting mexendo meia
carne do rosto, é o ilusionista Eisenheim, que impressiona os vienenses. Seu passado,
mostrado aos flashes no prólogo do filme, é de infância pobre interrompendo
seu amor por uma menina abastada. No palco, já renomado e mais abastecido financeiramente,
ele redescobrirá sua pequena, Sophie, que é mulher do vilão, o príncipe Leopold.
Na outra ponta do tabuleiro, há o inspetor Uhl (Paul Giamatti), uma peça móvel,
fazendo o papel que seria o de um clown, ou de um coringa, que é juntar
as pontas e mostrá-las ao público – não à toa, será ele quem reordenará as peças
e descobrirá o truque, ao final. O Ilusionista é um
filme de trama, cujas imagens existem para somar informações que serão reordenadas
(ou reveladas) mais à frente. Tal projeto necessita de “contaminações”, de rachaduras
na estrutura. Um exemplo é o O Pagamento Final (1990), no qual Brian De
Palma tece uma malha dramática para nos falar de outro drama, que é o de Carlito
Brigante, homem que tenta, mas é engolfado pelo crime. Tudo resolvido na imagem
— e que mise-en-scène, a de De Palma. Já o filme de Neil Burger, conta
com meia dúzia de boas cenas (uma delas, logo no início, observa o espaço no qual
Eisenheim faz sua arte, num belo jogo entre platéia e palco), mas tem como finalidade
apenas apontar ao espectador onde ele foi enganado. Zombado,
seria melhor: pois se Burger não chega ao didatismo de imagens redundantes de
Christopher Nolan, ele perde a mão do tempero informativo. Se a história mantém
na pauta um certo mistério sobre a veracidade dos números de Eisenheim, que até
morto ressuscita, logo à frente haverá um projetor de cinema que sugere um caminho.
Como a importância do romanesco se impõe na história, fica difícil tomarmos atenção
para isso. Quando, ao final, o truque (do filme, como um todo) é revelado, está
claro que a mágica em si (ou seja, a construção das cenas, os enquadramentos,
os problemas inerentes a qualquer filme narrativo sendo solucionados com a imagem)
não importa. Meramente assistível no seu protocolo estético convencional (convencionado?),
ainda assim O Ilusionista é como um mágico que não enche os olhos ao ver
o seu coelho saindo da cartola, mas apenas com a boca aberta da sua platéia. Um
mágico que não olha para a magia, mas sim o resultado do truque. Um cinema que
não olha a imagem. editoria@revistacinetica.com.br
|