in loco - cobertura dos festivais
O Gosto do Dinheiro (Do-Nui Mat), de Im Sang-soo
(Coréia do Sul, 2012)
por Filipe Furtado

Falsa frontalidade

Como seu nome deixa claro, O Gosto do Dinheiro é um filme muito direto. Im Sang-soo, afinal, não é um cineasta conhecido pela sua sutileza, e rapidamente O Gosto do Dinheiro se estabelece como uma extensão temática do seu remake de A Empregada (que inclusive é citado diretamente em mais de uma oportunidade, como se o cineasta temesse que o espectador não fosse capaz de fazer ele mesmo a conexão): temos novamente um empregado, no caso um secretário de um homem poderoso, às voltas com as excentricidades e jogos de poder de uma família de classe alta coreana.

Se estamos na esfera dos jogos de aparências em meio a um universo em que todas as relações se estabelecem através deles, cabe a Im Sang-soo encená-los de forma frontal. O Gosto do Dinheiro parece tomado pela crença de que este confronto direto com seu material é a única medida justa possível, e nos seus momentos mais fortes extrai desta imersão uma energia que vai além da simples sátira melodramática que uma mera descrição das suas cenas possa sugerir. Enquanto seus personagens dissimulam, a câmera de O Gosto do Dinheiro contra ataca devolvendo-lhes grossura, já que todos os gestos no filme tendem a desembocar no animalesco e caricatural. Cada personagem traz consigo um peso enorme, seus atos inevitavelmente sobrecarregados pelo olhar do cineasta. O Gosto do Dinheiro busca compensar seus personagens com uma mão pesada que reduza cada ação a um jogo de bonecos exploratório. Todo plano é supercontrolado na sua necessidade de expor seu universo.

Im Sang-soo pode buscar a sátira, mas falta ao seu filme o mínimo de leveza necessária para que ela flua. Sua encenação carregada, mais do que naufragar o humor, sugere ao seu filme um prisão asfixiante, suas imagens encerrando um flagelo que parece escapar completamente ao controle do cineasta.A fragilidade de O Gosto do Dinheiro se revela enquanto ele progride e suas convicções vão  aos poucos se anulando em saídas preguiçosas. Assim como a relação de dominação entre o secretário e a patroa se transfere num muito mais convencional romance com a bela filha do casal, a acidez da sátira vai aos poucos se dissolvendo na crise moral do protagonista. O confronto de Im Sang-soo aos poucos se dilui em psicologia e um desejo redentor que, se não é um problema em si, revela, quando sobreposto às tentativas iniciais do longa, a falência de O Gosto do Dinheiro como um todo. As duas abordagens não poderiam ser mais distantes e é impossível levar os dramas dos personagens a sério dentro do contexto do humor mordaz do filme. Mas, em uma tentativa de agradar a todos, Im Sang-soo busca exatamente isso ao longo da segunda metade do seu filme.

A despeito de todo o seu desejo pelo confronto, O Gosto do Dinheiro carece de uma sem vergonhice que lhe permita ir a fundo no arrivismo dos seus personagens. Não à toa, em meio a sua acidez, um elemento que se destaca em cena é justamente a locação principal da mansão da família milionária, revelada com cuidado por uma câmera que não esconde o prazer com que Im Sang-soo a explora. A acidez do filme se conforma diante dela ao simples prazer decorativo que trai a fascinação do longa com os símbolos de status. Logo, não supreende que, a despeito das suas aparências, O Gosto do Dinheiro opte por se focar nos alvos mais fáceis e inofensivos do seu universo e termine por encontrar uma saída que resolve de forma segura seu drama, além de qualquer aresta dura e irreconciliável que sua frontalidade pudesse sugerir. Vale a pergunta se algum dia veremos também filmes duros sobre o arrivismo dos críticos do arrivismo.

Setembro de 2012

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