em primeira pessoa À
margem da escolha por Eduardo Valente
Já participei de uma quantidade razoável de comissões
de seleção – menos vezes de festivais, e mais vezes de roteiros em editais de
produção. Em ambos os casos, sempre me incomodou muito um certo caráter estéril
que estas comissões possuem, ao aparentemente dividirem o mundo em duas categorias
estanques: os “selecionados” e os “recusados”. Para os primeiros, tudo, sob uma
suposta aura de perfeição; para os segundos, nada além de um cartão vermelho.
Claro que, na verdade e como sempre, a realidade é bem mais complexa do que isso.
Por um lado, muitos dos “escolhidos” são altamente questionáveis – não no sentido
de dizer que sua escolha é questionável (embora sempre seja), mas principalmente
de dizer que as comissões poderiam passar para os autores suas idéias sobre os
projetos (filmes ou roteiros), mostrando que há ainda muito a melhorar ali (pelo
menos na opinião daqueles selecionadores). Por outro lado, entre os “recusados”
existe um mundo de diferença, indo daquele que até o último momento esteve em
discussão para entrar na lista até os que foram eliminados unanimemente na primeira
passada da comissão pelos inscritos. Sempre achei que ambos poderiam lucrar muito
com avaliações – os primeiros vendo em que áreas foi decidida sua eliminação,
mas encorajados com a boa avaliação do projeto (sempre há mais projetos de interesse
do que vagas); os segundos sabendo porque seus projetos são considerados fracos
(de novo, nem que seja por aquela comissão específica).Quando
eu e Cléber Eduardo aceitamos o convite para fazer a curadoria de curtas de Tiradentes,
foi com uma utopia na cabeça: a de que fazer curadoria com seriedade e responsabilidade
é possível – e que isso pode ser útil de alguma maneira. No caso dos selecionados,
como debatemos seus filmes na Mostra e escrevemos sobre eles no catálogo, tivemos
chance de colocar em questão seus trabalhos, e de tirar deles tão somente um certo
caráter divino de “escolhidos”. No entanto, senti falta de poder dar alguma resposta
também aos filmes que não selecionamos. Por isso, decidi escrever este texto crítico
que trate dos filmes que estiveram nas nossas discussões até o último momento,
e que se não estão em Tiradentes este ano, é apenas porque nosso determinado recorte
assim não permitiu – mas que são filmes que nos interessam bastante. Como
explicamos na nossa entrevista sobre a curadoria
em Tiradentes, o primeiro critério que eu e Cléber utilizamos na escolha dos curtas
a exibir foi o de, olhando a lista total de inscritos, definir alguns que achávamos
essenciais, que seriam aqueles que, se nosso limite de escolha fosse mais reduzido
(15, 20 filmes, como é em alguns festivais), seriam os selecionados. Inevitavelmente,
esta lista responde principalmente a critérios subjetivos: segundo nosso olhar
de cinema, estes são os filmes que mais nos chamam a atenção dentro daquele panorama
de inscritos. Um outro movimento igualmente subjetivo era necessário: o de definir
alguns filmes que efetivamente não nos agradavam, e que portanto não seriam selecionados
para uma mostra curada por nós dois. Na criação destas duas categorias opostas,
não nos preocupamos se havia (lá ou cá) nomes famosos, filmes premiados ou selecionados
em outros festivais, origens regionais privilegiadas: se tratava apenas do exercício
(afinal essencial a uma curadoria) de colocar o nosso olhar sobre o cinema em
jogo; de definir quais, para nós, são os filmes que nos interessa exibir. A
partir desta primeira passada de olho (extremamente atenta, onde cada filme é
lembrado e discutido), entramos no trabalho realmente longo: compor a seleção
inicialmente proposta (aqueles 15 ou 20 filmes) com outros filmes, a partir de
um universo de trabalhos que nos interessam, mas que sabíamos ser mais longo do
que o tempo que tínhamos a disposição na grade da Mostra. Aí sim entrou em jogo
o olhar de painel, de temas e estéticas que perpassam a produção brasileira, da
relevância de diálogos e antíteses entre filmes, como citamos na entrevista. E
é nesse momento que mais tempo gastamos, discutindo cada um dos filmes que foram
escolhidos para completar a seleção e aqueles que eventualmente teriam que ficar
de fora – mas que, admitidamente, poderiam perfeitamente estar dentro. O principal,
para nós, é que cada uma destas escolhas (dentro/fora) não fosse nunca arbitrária,
e sim fruto de uma argumentação detalhada, onde estivéssemos realmente tranqüilos
ao final – não com a “correção” da nossa escolha (porque isso não existe), mas
que entendíamos o porquê dela ter se dado. É destes filmes (os que ficaram fora,
mas que poderiam ter entrado) que trato a seguir neste texto. Espero que os realizadores
dos filmes citados o recebam num espírito generoso (o mesmo com que escrevo),
e não como a “exposição pública” de uma recusa em seleção – o que me pareceria
uma enorme bobagem. * * * Os primeiros
filmes de que tratamos foram aqueles que apontavam temas ou figuras de estilo
de algum interesse, mas cuja exploração dramática-estética-narrativa não nos parecia
dar conta totalmente da sua premissa interessante. São filmes que nos cativavam
em momentos, mas que acabavam diluindo a força destes momentos na sua duração.
Entre estes, curiosamente, estavam três filmes selecionados recentemente para
o Festival de Brasília: A Vida ao Lado, de Gustavo Galvão; Espeto,
de Sara Silveira e Guilherme Marback; e Noite de Marionetes, de Haroldo
Borges – inclusive não me alongo muito aqui sobre eles porque Cléber já havia
escrito críticas sobre cada um quando de sua cobertura
de Brasília. Basta dizer que, tanto na exploração de um certo estado desencantado
da comunicação nas relações humanas, no caso do filme de Galvão (onde a matriz
Tsai Ming-liang grita um pouco forte demais, com a ausência de diálogos, por exemplo,
parecendo muito mais uma imposição de estilo referencial do que uma necessidade
narrativa e de personagens); quanto na exploração de uma determinada estética
expressionista de humor absurdo em Espeto, não nos pareceu que a força
destas propostas sustenta o centro dramático dos dois filmes na sua duração. Já
no caso de Haroldo Borges, seu talento como fotógrafo e formatador do espaço,
bastante pronunciado, estava melhor representado em outros dois filmes da seleção
(Transtorno e Piruetas, este também dirigido por ele), enquanto
em Noite de Marionetes parece sufocar um pouco a dinâmica dos personagens
que, supostamente, parece querer ser o foco de sua atenção. Este
mesmo descompasso narrativo também marcava dois filmes capixabas, cuja opção por
formatos híbridos (documentário, ficção, poesia, encenação) nos interessou bastante,
mas que não fechavam de todo suas propostas dentro da quantidade de portas que
são abertas nesta mistura possível. São eles Saudosa, de Erly Vieira Jr
e Fabrício Coradello; e Graçanaã, de Luiz Tadeu Teixeira. Em ambos, novamente,
há cenas e momentos preciosos, e um mais que saudável desejo de testar os limites
entre os diferentes registros do cinema. Mas, também há alguns fossos profundos
em determinadas cenas entre a intenção (que está clara na tela) e o resultado
conseguido na realização. São filmes, de qualquer maneira, que nos mostram realizadores
com olhares extremamente complexos sobre a realidade e sua representação, de quem
esperamos ver trabalhos ainda mais fortes. Ao fim e ao cabo,
pode inclusive ser considerada injusta a exclusão total do cinema de curta capixaba
da seleção final, uma vez que outro representante do Espírito Santo também caiu
nesta parte final de seleção: No Princípio era o Verbo, de Virgínia Jorge.
Mas, foi uma decisão consciente nossa esta de não privilegiar o critério da regionalidade
sobre outras possíveis escolhas. É inegável que o filme de Virgínia alcança uma
combinação saborosa entre discussão temática (a construção da verdade nos discursos)
e simplicidade de construção e realização – no entanto, é um filme que não cativava
de todo nossos olhares, registrando mais uma admiração distanciada do que uma
verdadeira paixão. Fora isso, ele colocou em pauta um outro critério, que passa
longe da obsessão pelo ineditismo (sobre a qualidade) de Brasília, mas que é sim
importante: o filme de Virginia já cumpriu considerável carreira em festivais
no Brasil, e no momento em que estamos colocando lado a lado filmes que nos cativam
em igual medida, parece realmente importante permitir a eventual primeira seleção
de filmes que já foram recusados em vários festivais (e cuja exclusão aqui seria
então quase como a negação completa de sua existência) em detrimento eventual
de outros que já tiveram grande exposição e reconhecimento. Entre iguais, quando
a decisão é de completar um panorama, este nos pareceu critério justo, quase político. De
uma certa forma este critério foi essencial também na difícil decisão de deixar
de fora Helena Zero, de Joel Pizzini. Aqui, de novo, se tratava de considerar
uma determinada ordem de difusão, afinal o filme de Joel nasce de um especial
realizado, e já exibido, no Canal Brasil. De novo: se fosse um filme que nos arrebatasse
de todo, isso seria desimportante, mas ao colocarmos em questão alguns de seus
expedientes de construção, o fato de que este material (mesmo que em formato diverso)
já possuía esta visibilidade, que muitos dos curtas jamais terão, passa a ser
critério importante – ainda mais quando, numa seleção que é pautada pela minutagem
total de programação disponível, este trabalho de meia hora de duração nos obrigaria
a cortar outros dois ou três filmes. No entanto, não custa reforçar: o primeiro
critério é estético, uma vez que o filme nos parece derivar um pouco de determinados
formatos explorados por Joel nesta sua faceta em parceria com o Canal Brasil (que
já nos deus alguns exemplares preciosos, como os dedicados a Leonardo Villar e
Glauce Rocha), sem alcançar aqui a mesma força de resultado. A
principal dificuldade de recusa deste filme (a importância de registro de uma
determinada história audiovisual do país, aqui representada na figura de Helena
Ignez) nos acometeu também quando tratamos de Pixinguinha e a Velha Guarda
do Samba, de Ricardo Dias e Thomas Farkaz. É absolutamente tolo imaginar que
ignoramos a importância de Thomas Farkaz no cinema brasileiro ou da existência
das imagens que ele captou de Pixinguinha e seus músicos em ação, e que este filme
traz à tona. No entanto, nos pareceu bastante injusto colocar este critério de
relevância “historiográfica” de um material previamente existente na comparação
com os outros filmes de realização atual. Afinal, se este material deveria ser
considerado hors concours pela sua importância para a cultura brasileira,
ele nem deveria ser inscrito em festivais: deveria primeiro ser registrado importante
como tal (uso de imagens de arquivo), o que aconteceu em sua recente exibição
no Recine, um festival voltado exclusivamente para este tipo de material; e em
segundo lugar tornado público para o país de maneira muito mais abrangente, como
também aconteceu recentemente (depois da seleção fechada, é importante dizer),
quando de sua exibição pelo Fantástico da Rede Globo (programa que certamente
deu mais visibilidade ao filme do que ele jamais terá no circuito de festivais
brasileiros). O fato, porém, é que nos foi pedido analisar
o curta Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba, e não a história de Thomas
Farkas ou tão somente as imagens do músico em ação que são apenas uma parte da
narrativa deste filme. Melhor seria, neste caso, fazer apenas uma edição destas
imagens (e nem pensamos aqui na radicalidade da reconstrução de um Remanescência,
de Carlos Adriano), com isso afirmando que são elas, afinal, que importam. Daí
nossas restrições: quanto ao formato absolutamente subserviente ao peso destas
imagens, que procura, burocraticamente, formar pouco mais do que moldura absolutamente
convencional para estas (tanto assim que o Fantástico, não exatamente um espaço
para a exibição de uma linguagem documental diferenciada, não só exibiu trechos
de Pixinguinha como alguns materiais de entrevista do curta, quase como se fossem
materiais produzidos pelo próprio Fantástico). Quando um programa jornalístico
televisivo como o Fantástico pode potencialmente produzir as mesmas imagens de
um curta a partir da descoberta de um material raro, talvez isso seja um sinal
de que o cinema não é o espaço privilegiado de exibição destas. Não sendo assim,
na comparação com outros trabalhos inscritos neste ano ou mesmo com outros trabalhos
dos seus realizadores (Farkas e Ricardo Dias), o curta simplesmente não nos parece
um dos que deveríamos selecionar. De uma certa forma, estas
mesmas velhas questões (o que é o documentário de cinema? qual sua fronteira com
o jornalismo? – que, por mais que a imprensa atual nos faça esquecer, pode sim
ser de grande qualidade) também entraram em pauta na análise de outros filmes
de algum interesse para nós: Pra Todo Mundo Ouvir, de Thiago Bueno e Luzi
Carlos Fabiano; Descobrindo Waltel, de Alessandro Gamo; e Cora Coralina:
O Chamado das Pedras, de Waldir de Pina. Da relação com seus temas, inclusive
(relações com importantes figuras culturais brasileiras), poderiam-se criar diálogos
curiosos com alguns filmes da mostra de longas (respectivamente Fabricando
Tom Zé, Cartola, O Engenho de Zé Lins), mas a Mostra não trabalha
com o formato de abertura de sessão de longas por curtas. Sem este diálogo direto,
os três curtas não nos parecem explorar profundamente as possibilidades da linguagem
cinematográfica do documentário (ampla como esta é), e ficamos mais na superfície
da relevância de seus temas (a discussão do mito Raul Seixas, trazer à tona uma
figura menos conhecida da música, um olhar sobre a vida e o espaço ocupado pela
poetisa de Goiás). Dentro do recorte que nos coube fazer, preferimos investir
nos documentários onde a linguagem é parte proeminente do discurso, mesmo quando
trabalha com determinadas biografias (casos, por exemplo, de Oficina Perdiz
e O Homem-Livro, dentro da seleção). Nesse sentido, um outro caso curioso
foi o de A Plenos Pulmões, de Patrícia Moran, filme que tinha exatamente
o mesmo tema de um outro inscrito (Memória sem Visão): o Minhocão, na capital
paulista. Nesse caso, a comparação era direta, e achamos o segundo filme mais
bem resolvido e forte, e por mais que não excluíssemos necessariamente dois filmes
com o mesmo tema, precisaríamos de uma convicção forte na presença dos dois, algo
que simplesmente não existia, nesse caso. Finalmente, dentro
da opção de formatar a mostra em seções temáticas (em parte imposta pelo formato
da Mostra, que sempre trabalhou assim, mas também muito bem aceita por nós que
achamos uma possibilidade rica de diálogo), houve um grupo de filmes que esteve
em questão conosco até o último momento, onde a escolha pela retirada de algum
filme da escalação foi mesmo baseada no simples fato do limite de tempo que tínhamos
para cada sessão. Na verdade, quase todas as sessões tinham um ou dois filmes
que acabaram com a chata posição de “suplentes”, por assim dizer (embora, aqui,
ao contrário do Congresso, estes suplentes não tenham a chance de tomar posse).
Nestes casos, tanto quanto os filmes em si, foi essencial o diálogo entre os outros
já selecionados. Na seção Dentro e Fora, por exemplo, dois
filmes que a princípio tínhamos descartado voltou à tona quando fomos colocando
a seção de pé: Akai, de Carlos Gananian. Curioso, mas extremamente irregular
(especialmente dada sua longa duração), exercício de climas e de cinema de horror;
e A Domicílio, de Nelson Diniz, uma comédia rasgada (com o diferencial
de ser efetivamente engraçada, algo raro entre as comédias inscritas) com tintas
de um humor tarantiniano. Os filmes dialogavam numa chave muito interessante com
alguns filmes selecionados que vinham de registros bastante distintos (documentários,
experimentais). Infelizmente, dada a constância relevante do tema, a sessão já
se encontrava quase esgotada na minutagem – e de novo aqui foi preciso fazer opções,
onde a longa duração do curta de Gananian falou contra ele. Já
Distúrbio, de Mauro D’Addio, foi considerado até o último momento. Só que,
seja no seu trabalho com um universo fechado, que aprisiona seu protagonista através
da imposição do relacionamento com a família direta; seja no diálogo entre o drama
de personagens e o filme de gênero que o filme opera, o trabalho de D’Addio possuía
mais do que apenas uma semelhança com Transtorno (basta ver os títulos),
um dos filmes selecionados. De novo, nada impediria a seleção dos dois por esta
semelhança, porém havia uma série de outros filmes que nos interessava com o tema
(um dos mais constantes da Mostra), que abordavam outras facetas de um mesmo ponto.
E aí, na necessidade de escolher entre um deles, o filme de D’Addio nos pareceu
menos coeso, especialmente na sua resolução da trama (a partir da entrada do pastor
em cena), com um acento cômico e de “significados” um pouco mais óbvio do que
o trabalho do filme até ali nos fazia esperar. Ainda assim, trata-se de filme
muito, muito interessante. Também tivemos dificuldades de
fechar a seção Tempos e Espaços, de novo fustigados pela questão da longa duração
média dos curtas brasileiros hoje (fenômeno muito bem destacado ano passado por
Zita Carvalhosa, diretora do Festival de Curtas de SP). Dois curtas extremamente
irregulares, mas com muitos altos de nosso interesse, acabaram ficando de fora:
Alô Tocayo, de Lula Carvalho e Renato Martins; e Quando o Tempo Cair,
de Selton Mello. Para além das reconhecidas qualidades dos dois (já com razoável
carreira pelos festivais brasileiros – o que, como dissemos, não deixa de ser
levado em conta), já que era caso de fazer escolha tivemos que nos deter mais
nos pontos problemáticos: no caso do primeiro, por um lado um certo esteticismo
sufocante (que talvez fale da origem de Lula como fotógrafo), por outro, uma dificuldade
entre articular e assumir a primeira pessoa da narrativa do filme com o desejo
de “dizer algo relevante” sobre o seu objeto (Cuba); no caso do segundo, um certo
engessamento dos personagens a partir tanto da tematização do filme de uma determinada
situação (especialmente instaurada na música original pouco feliz), quanto do
desejo quase paralisante de homenagear o grande Jorge Loredo (o Zé Bonitinho).
Com estas ressalvas, os filmes acabaram de fora, mas seriam belas adições e complementos
aos que estão no programa. Um filme que nos interessou até
por transitar por alguns dos temas (Dentro e Fora, Imagem da Imagem, Fuga e Dissonância)
foi Outro, de Daniel Salaroli. Filme de escola, trata-se de investigação
bastante lynchiana (referencialidade autoral que é uma constante no cinema
de estudantes de cinema) sobre a confusão e perda de subjetividade de um personagem.
Acontece que o tema e a forma do filme, até pela sua complexidade, desafiam bastante
a realização do filme, que nem sempre se mostra à altura de suas potencialidades.
Além disso, nos preocupamos com o fato de ser um filme que depende muito do clima,
e no caso sua realização em 16mm não ajudaria dentro das condições de projeção
da mostra (tenda e praça), onde a luminosidade e a sonoridade ideais são mais
difíceis ainda de serem atingidas – com o tanto que o 16mm já impõe dificuldades
de projeção. Mas, certamente, foi um filme que nos instigou e um diretor que queremos
muito ver no futuro – assim como Bárbara Kahane, diretora do ousadamente simples
(ou vice-versa) Cinema Platônico, filme bastante difícil na sua sutileza.
Talvez seja injusto que os dois filmes paguem o preço justamente da ousadia dos
seus realizadores em perseguir caminhos mais pedregosos de realização, mas como
a nós só é dada a possibilidade de julgar os resultados finais, havia entre os
inscritos filmes mais bem resolvidos (mesmo quando menos ambiciosos) que tínhamos
que exibir. * * * Para terminar este
texto, queria deixar claro para os realizadores que eventualmente não tenham sido
selecionados nem sejam citados neste texto, que avaliamos todos os filmes com
cuidado, e que dentre os não citados há um mundo de diferentes contextos e impressões.
Se os interessar recebê-las, num clima de respeito (que é o mesmo que tivemos
com os filmes), podem escrever para o email da revista, sem medo. Não fiz aqui
uma avaliação geral dos projetos por já ter perdido pelo menos uma utopia: a de
que os filmes que realmente nos desagradaram achem que seria “engrandecedor” ler
nossa avaliação mais dura. Por isso é que acho que útil mesmo seria uma avaliação
em particular, se for de interesse do realizador do filme. Faço
questão de esclarecer que não partilho da idéia de que este retorno de membro
das comissões não se dê necessariamente por má fé, por incapacidade ou por falta
de seriedade no julgamento. Fato é que o nosso sistema foi criado baseado num
meio cinematográfico muito pouco habituado a lidar com críticas. Descobri isso
já na primeira comissão de projetos de que fiz parte, na qual fiz questão de informar
aos realizadores (através da associação de classe referente ao tema – a ABD do
Rio) que era um dos membros da comissão e que, por mais que o concurso não pedisse
isso de nós, me colocava a disposição de receber manifestações pessoais de realizadores
(selecionados ou não) querendo saber mais sobre a avaliação do seu projeto. Na
época, só recebi um email: ele não pedia uma avaliação crítica, e sim questionava
quem éramos nós da comissão para termos a petulância de julgar que seu roteiro
dele era um dos dez melhores (em 130 inscritos). Como se vê, minha utopia de processo
caiu por terra cedo, pela indisposição de um realizador em ser julgado e comparado
a outros – o que, se pode ser questionado sempre, não me parece ser o que mais
pode enriquecer o processo (já que comissões e seleções sempre haverá). Na época
respondi apenas que achava incrível ele saber que seu projeto era um dos dez melhores
sem ter lido os outros 129 – isso é que é auto-confiança. Anos
depois, tive uma outra experiência, quando um membro de uma outra entidade de
classe comemorou comigo o fato de terem conseguido exigir pareceres dos selecionadores
num concurso. Achei bom, mas perguntei a ele se tinham também brigado para que
os salários pagos aos membros da comissão fossem aumentados, já que tinha participado
da comissão deste concurso no ano anterior e sabia que o valor era ridiculamente
sub-orçado para o tamanho do trabalho – e que este trabalho certamente só aumentaria
uma vez que os selecionadores precisassem escrever cento e oitenta pareceres sobre
projetos. A resposta foi que isso “não era problema deles”, que o que importa
é que (me dizia ele com um sorriso cínico no rosto) “agora eles vão ter que se
justificar!” De novo me entristeci por ver como estamos aparentemente fadados
a perder a chance de um processo realmente plural e de interesse geral apenas
para que uns tenham seus interesses atendidos. O meu colega
não percebia duas coisas (que até tentei argumentar com ele no dia, mas ele não
parava de exultar sua conquista): primeiro, que “eles” (os membros de comissão)
são sempre também “nós”, já que as comissões são formadas por membros da classe
cinematográfica, inclusive realizadores – eu já fui concorrente em trocentos concursos,
e julgador em tantos outros. Segundo, que brigar por boas condições de trabalho
para a comissão é prezar justamente pelo bom julgamento que esta faça dos projetos.
Exigir de pessoas que não são “funcionários de concurso” (ou seja, todos têm outros
trabalhos e simplesmente prestam um serviço quando chamados a fazer isso) que
realizem este trabalho com pagamento insuficiente é dar carta branca para que,
ou este trabalho seja feito por pessoas absolutamente desqualificadas (já que
um bom profissional pode preferir abrir mão) ou que seja feito “de qualquer maneira”,
nos intervalos entre outros trabalhos, sem dedicação, com pressa. Portanto, não
adianta pedir pareceres sem melhorar condições de trabalho, porque é muito mais
fácil escrever um parecer qualquer do que de fato argumentar com detalhes úteis.
Mas, reparei que o realizador não queria melhorar seu projeto com os pareceres,
mas apenas obrigar a comissão a “se justificar”. editoria@revistacinetica.com.br
|