As passagens

A primeira imagem de A Rotina Tem seu Encanto nos coloca em uma interessante posição na sala de cinema: vemos a imagem de uma fábrica. O plano possui alguns dos habituais elementos do estilo desenvolvido por Yasujiro Ozu – o uso da música leve e prosaica; o enquadramento em sutil contra-plongée; a caracterização simples e minimalista do espaço –, mas o diretor decide posicionar a câmera fora da fábrica, em uma das ruas que cortam seu entorno. A fábrica é apresentada de tal maneira que… CONTINUA

A vertigem do desespero

Enquanto soam os acordes dissonantes e as imagens justapostas de “Alegria, Alegria”, uma outra forma de colagem começa a se engendrar no filme que se inicia. A canção de Caetano dá o tom de uma aventura cinematográfica vertiginosa, ao mesmo tempo fragmentária, povoada de citações (visuais, sonoras, literárias) e portadora de uma energia íntegra, encorpada num ritmo febril. Viagem ao Fim do Mundo exibe uma forma dramatúrgica exuberante, sem precedentes e sem herdeiros no cinema brasileiro. Uma viagem de avião reúne uma fauna insólita –… CONTINUA

Mais que um filme

Anna é um filme. Anna é uma jovem italiana, grávida, que encontra na praça Piazza Navona, em Roma, o cineasta Alberto Grifi e o ator Massimo Sarchielli. Este último convida Anna para vir à sua casa e realizar um filme. Anna, o filme, é o resultado do encontro da visão destes homens de cinema com esta jovem mulher. A este trio, se adicionam uma ampla fauna de tipos humanos dos mais variados, habitantes desta praça pública onde cada um faz suas considerações sobre política, a… CONTINUA

A política da atenção

Na conferência A Política da Arte, o filósofo Jacques Rancière conta uma narrativa de emancipação operária publicada em um jornal militante durante a Revolução Francesa: “Sentindo-se em casa enquanto ainda não terminou o piso do cômodo em que trabalha, ele desfruta da tarefa; se a janela se abre para um jardim ou domina um horizonte pitoresco, por um instante ele repousa seus braços e plana em ideias para a espaçosa perspectiva, gozando dela melhor do que os proprietários das casas vizinhas”. Essa breve chance de… CONTINUA

Mais vale um pássaro a voar que dois pés no chão

Quando Lancelot (Luc Simon) decide participar de um torneio de batalhas, o faz secretamente. Surge um cavaleiro capaz de derrotar a todos. Mas a decupagem de Robert Bresson não enfatiza o personalismo do herói: não vemos seu rosto, seu corpo está coberto por uma armadura, não há bandeiras que o identifiquem, a plateia não tem convicção de sua identidade. A trama revelou o seu paradeiro, mas temos dificuldades para saber se é ele. Não é que Bresson construa um mistério em torno do sujeito mais… CONTINUA

Taxidermia do tempo

Nem um trajeto linear de uma visita a pé, nem mesmo um jogo de associações diretas. A dramaturgia do conjunto dos cinqüenta e quatro planos e setenta e sete minutos do filme História Natural (Natural History), de James Benning (EUA,2013) é justamente sugerir relações variadas entre as imagens através das durações. Ligações de sentido, para dentro e para fora de cada plano. Visões que se sucedem sem vínculo evidente começam a construir um primeiro estranhamento pelo tempo. Algumas duram poucos segundos enquanto que outras se… CONTINUA