Manipulação, modos de usar

Le Livre d’Image começa e termina com imagens de mãos. Godard nos indica no texto que acompanha aquelas imagens acreditar que é com esta parte do corpo que o homem pensa – igualando, portanto, a ação com o pensamento, pois apenas a partir da ação o pensamento se consuma. E não qualquer ação, mas a “manipulação”, efetivamente. Manipulação que é, antes de tudo, a de Godard mesmo (junto a seus colaboradores, porque há pistas em quantidade que indicam o quanto figuras como Fabrice Aragno, Nicole… CONTINUA

Escrevendo uma história

Praticamente desde que o cinema existe, um dos mais comuns usos que a ficção através desse meio tem construído é o de reencenar fatos da História, mais ou menos célebres, com os mais variados objetivos – da mitificação hagiográfica à contestação das versões oficiais e reescrita de uma narrativa. Alguns cineastas são mais afeitos a esse movimento do que outros, e Cannes esse ano mostrou os novos filmes de dois daqueles que, entre os cineastas contemporâneos, mais têm suas obras marcadas por esse movimento. No… CONTINUA

Da ficção pragmática à fantástica realidade

Por detrás da muito discutida falsa dicotomia entre a ficção e o documentário, ou mesmo da igualmente super explorada questão dos chamados “filmes híbridos”, uma das perguntas que parece vir menos à tona – embora talvez seja a que mais falta faça na origem de muitos projetos – é a que questiona acerca dos porquês de fazer ficção ou fabular em torno da realidade, nos dias de hoje. Embora possa parecer algo óbvio à primeira vista, a verdade é que em muitos filmes o desejo… CONTINUA

Que gênero é o seu?

Todo ano essa cobertura acaba dedicando pelo menos um texto ao tema do “cinema de gênero de autor”, algo que todo festival atualmente busca contemplar, em algum espaço da sua grade (e onde cada filme é encaixado na programação geralmente deixa ver algo sobre como o festival vê o cinema de gênero, mas também cada filme individual). Trata-se de filmes que incorporam de maneira mais ou menos direta e frontal elementos do cinema de gênero (em muitos dos seus diferentes tipos), mas que buscam ter… CONTINUA

Cinema de a(u)tor

Existe o dito de que se o teatro é a arte do ator, o cinema é a arte do diretor. Mais que compreensível, dado que inegavelmente as performances do elenco sempre podem ser praticamente “reencenadas” através da montagem, que recontextualiza escolhas que a câmera já havia delimitado. No entanto, a definição também é incompleta na medida em que ao menos num certo universo de filmes, boa parte da sua força emana, ainda e sempre, dos corpos de seus atores, cujos personagens necessitam “encarnar” mais do… CONTINUA

A que risco?

Nesses primeiros dias de festival um tema (que deve voltar mais vezes ao longo do evento) tem ocupado nossa atenção: os riscos muito reais de se fazer cinema/arte num mundo onde tanto ainda parece frágil. Há, por exemplo, em competição no festival ao menos dois filmes cujos realizadores encontram-se em situação de prisão domiciliar (caso de Jafar Panahi e do russo Kirill Serebrennikov). As implicações de como criar e lidar com a censura (e a autocensura) são questões que parecem cada vez mais presentes –… CONTINUA

Jovens mulheres

Seria meio automático associar imediatamente Sofia Coppola ter apresentado seu novo longa em Cannes ao fato de que, nesse mesmo ano, o Festival exibiu um filme cheio de energia, todo ele encenado em torno de uma personagem feminina jovem (interpretado por uma atriz desconhecida, deixando uma marca fortíssima na tela), que se sente perdida e um tanto desamparada num mundo em que tudo parece tornar mais difícil a sua simples trajetória em passar para aquilo que é considerado como uma “produtiva idade adulta” – trabalho,… CONTINUA

Dizem que sou louco

Uma ideia razoavelmente comum desde que o cinema se consolidou em sua vertente de arte narrativa é que os conceitos e a prática psicanalítica não apenas seriam aplicados muito bem como ferramenta crítica de análise de obras como de fato seriam ferramentas importantes para a escritura e construção de personagens na ficção. É verdade que essa relação entre arte narrativa e psicanálise está bem longe de começar com o cinema – afinal não é nenhum acaso que alguns dos conceitos fundamentais para a mesma venham… CONTINUA

Passeios no inferno

A competição de Cannes teve um aumento considerável da temperatura dos debates estéticos relevantes em questão de doze horas com a exibição dos novos filmes de Sergei Loznitsa e dos irmãos Safdie – dois filmes tão diferentes quanto se pode ver, vindos de cineastas ainda mais distintos, mas que têm a curiosa característica de acompanhar em linha reta a descida de seus protagonistas ao inferno num tempo bastante curto. Não deixou de ser uma coincidência fascinante que essas exibições tenham acontecido no mesmo dia da… CONTINUA

Era uma vez

O que é “um filme de época?” Estritamente falando, a resposta não poderia ser mais simples: um filme que se passa num momento “real” do passado. Mas muito mais interessante pode ser perguntar: o que pode ser um filme de época? Se é considerada uma verdade universal a afirmação de que um filme sempre nos fala mais sobre o momento em que ele é realizado do que sobre o momento (seja o passado ou o futuro) que ele retrata na sua narrativa, o que nos… CONTINUA