Onde jaz a brisa?

A sessão de exibição de Antes do Fim, de Cristiano Burlan, frisava logo nos seus créditos ,que se tratava de um work in progress; ou seja, um “corte” inicial, ainda em finalização, em desalinho – seja no delinear um tanto incerto entre cenas, ou em detalhes técnicos e questões sensíveis que o filme já levanta e pode vir a aprimorar. A primeira pergunta que se faz diante desse contexto é mais de uma metacrítica: seria válido traçar uma aproximação de um ensaio e de um… CONTINUA

Como ocupar uma abstração?

Filmes e documentários de, sobre e com ocupações são motes recorrentes no cinema brasileiro contemporâneo. Desde À Margem do Concreto (2006), de Evaldo Mocarzel, até obras mais atuais, como o curta O Teto sobre Nós (2015), de Bruno Carboni, costuma-se acompanhar o dia-a- dia e as motivações dos movimentos sociais que reivindicam moradia nas metrópoles derruídas pela especulação imobiliária. São filmes que revelam às câmeras um lado oculto, obscuro, desconhecido e alinham-se diretamente a uma causa, um tanto ideal, um tanto pragmática, ou mesmo emergencial,… CONTINUA

O filho que é a mãe

Zilhões de eons atrás, quando patrulhas do politicamente correto ainda não haviam tomado a galáxia, certa homossexualidade masculina era vista como uma tentativa do individuo de ser a mãe, tomar o lugar simbólico do seu primeiro amor. Esse conceito (ou preconceito?) abarcava desde o machismo chauvinista até a psicanálise de botequim (não existe psicanálise fora do botequim). Padres, médicos e policiais acreditavam que o sujeito alucinava uma “mulher ideal” e, em vez de possuir a figura feminina e arrastá-la para a alcova, embatucava na ideia… CONTINUA

A vertigem do desespero

Enquanto soam os acordes dissonantes e as imagens justapostas de “Alegria, Alegria”, uma outra forma de colagem começa a se engendrar no filme que se inicia. A canção de Caetano dá o tom de uma aventura cinematográfica vertiginosa, ao mesmo tempo fragmentária, povoada de citações (visuais, sonoras, literárias) e portadora de uma energia íntegra, encorpada num ritmo febril. Viagem ao Fim do Mundo exibe uma forma dramatúrgica exuberante, sem precedentes e sem herdeiros no cinema brasileiro. Uma viagem de avião reúne uma fauna insólita –… CONTINUA

Discutindo “Alegorias do Nada”

O texto “Alegorias do Nada”, sobre o filme O Último Trago, motivou uma resposta do cineasta Luiz Pretti – com um adendo de Ricardo Pretti – além de uma réplica do crítico Victor Guimarães. Reproduzimos abaixo as cartas. * Carta aberta em resposta à crítica do filme O Último Trago por Luiz Pretti   É uma tarefa ingrata ter que responder ao seu texto. Num primeiro momento não tenho muito o que dizer e nem queria ter que dizer nada. Seria melhor esquecer e deixar que… CONTINUA

Câmera pétrea: cinzas do olhar

No início não havia verbo. Mas haveria um início? Num prenúncio imaginário murmura-se um cosmos, uma frase, um filme. Solon começa com raios de luz que atravessam o negro da tela, numa visão abstrata, veloz, que escapa e ilumina. A imagem, ao menos nesse primeiro embalo, não pretende tornar-se visível, mas ferir a câmera. E fere, de forma apenas luminosa, imbuída da mágica das suas partículas. Com notáveis granulações e o seu reluzir em 16mm, o filme situa-se diante das rochas, seus resíduos, sua cadência… CONTINUA

Alegorias do nada

Com os Punhos Cerrados (2014), de Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti, marcava uma guinada importante na filmografia conjunta que se iniciava com Estrada para Ythaca (dirigido pelos três realizadores e por Guto Parente em 2010), ao mesmo tempo em que continuava a trabalhar sobre os mesmos motivos (o luto; o lugar do sonho frente à mediocridade do cotidiano; a insurgência necessária contra um mundo hostil). A virada consistia em uma explicitação da verve política que anima o trabalho recente dos irmãos Pretti e… CONTINUA

Os outros

Todo narrado pelo ponto de vista de Eduardo (João Miguel), o pai da família formada também por Julia (Marina Person), sua mulher, e o casal de filhos dos dois (ele, no limiar entre adolescência e idade adulta; ela, entre infância e adolescência – e estarem ambos nesse estado “de passagem” não parece nada desimportante para o que está em jogo no filme), Canção da Volta toma o partido da pessoa que “recebe o gesto” numa tentativa de suicídio – ou seja, não quem a comete,… CONTINUA

O novo ópio

No 17 de junho de 1989, uma noite agradável de outono, a Rede Globo apresentava no Supercine, 21:45, o filme Chuva de Milhões (1985). Dirigida por Walter Hill e estrelada por Richard Pryor, a comédia encaixava-se perfeitamente no gosto da criançada da época. Mas duvido que, naqueles tempos dos aparelhos de TV escassos e pais vigilantes, muitas crianças tenham adiado o sono para darem boas risadas. A Globo (sempre) foi esperta e reprisou o filme na tarde do emblemático 1 de janeiro de 1990, no… CONTINUA

As esquivas com Histórias outras

.49º Festival de Brasília. Rosa (Yoná Magalhães) e Manoel (Geraldo Del Rey) correm. Eles estão de mãos dadas; numa paisagem sertaneja, áspera, inóspita, quando ambos os personagens, logo na sequência escolhida como a abertura de Cinema Novo, de Eryk Rocha, alcançam o clímax do célebre filme de 1964, de Glauber Rocha. A cena acontece, mas, calma, eles ainda não alcançaram o mar. Apenas fogem, já ao som de Villa-Lobos, escapam e precisam, urgentemente, sair dali, sair de si; e, em meio ao fôlego da fuga,… CONTINUA