Uma noite de “facas longas”

Uma das maiores virtudes de O Animal Cordial, primeiro longa da Gabriela Amaral Almeida (que conta com vários curtas no currículo, entre eles Uma Primavera, A Mão que Afaga ou Estátua, de 2011, 2012 e 2014, respectivamente), é a de saber articular uma intenção de produzir um discurso sobre o Brasil – um Brasil atual, dos dias de hoje, mas no qual o patrimônio histórico, com todas as suas problemáticas e nuances (políticas, culturais, sociais, raciais), está permanentemente presente – com um olhar reflexivo, inteligente… CONTINUA

O ritmo dos contrastes

O grosso da literatura dedicada ao Cinema Novo brasileiro alinhavou os filmes, especialmente a fase inicial de 1959 a 1962, a partir de dois vetores: o debate político em torno da realidade brasileira como princípio da feitura dos filmes, e a representação do povo, seus problemas e cultura como temas centrais à narrativa. Partindo da conjunção desses dois princípios seria possível, pelo olhar autoral dos artistas, chegar a uma “linguagem brasileira”, nova e única, expressão legítima desse povo representado na tela. A busca da realidade… CONTINUA

Viver em desencaixe

Após um curto prólogo, As Duas Irenes convida a câmera à mesa, onde quatro mulheres de idades diferentes gravitam em torno de um patriarca que olha pela janela. A decupagem inaugura o nó dramático com um plano médio que coloca Tonico (Marco Ricca) na cabeceira da família, olhando para fora daquela casa (e, no cinema, todo olhar é uma forma de desejo). O filme não será sobre ele, assumindo seu ponto de vista, e o corte seguinte anuncia que suas ações deflagrarão (ou melhor, deflagraram)… CONTINUA

O cinema canvas e o último respiro

Três prévias, Lumière: 1. Laveuses sur la rivière (1897) Ninguém duvida do esmero cênico dos primeiros filmes dos Lumière, mas este filme-plano, especificamente, parece destoante do imaginário que os irmãos fundadores evocam. As costumeiras linhas diagonais que denotam uma espacialidade mais aprofundada por entre camadas – primeiro, segundo, terceiro plano – dão lugar a uma impressão de achatamento, como uma superfície bidimensional. Sabemos que os elementos da parte inferior da imagem estão mais próximos do que os da parte superior, mas a distância é pouco… CONTINUA

A cena muda

A descrição da sessão de estréia de Era uma vez Brasília em sua cidade-título sugeriria ter sido uma ocasião muito adequada ao que o filme sugere buscar. Sala lotada, pessoas no chão, o diretor de Branco Sai Preto Fica apresenta seu mais recente filme. Começa a projeção e um problema se produz: Adirley Queirós – cuja imagem foi amplamente fetichizada por um certo olhar classicista que o elegeu como cineasta da quebrada da temporada, como Messias encarregado de encenar “nossa” revanche contra “eles” – lançou… CONTINUA

O cômico e o sério

A interpretação mais rápida que um filme como Bingo – o Rei das Manhãs, de Daniel Rezende, pode requisitar é a de ser visto como mais uma comédia dramática ingênua e despretensiosa, o que muito da recepção do filme fez até agora. Neste sentido, comentaríamos a excelência de atuação ou da montagem, o trabalho de luz, o percurso dramático, a capacidade de criar situações engraçadas, etc., para falar em sua “eficácia”, sem com isto nos obrigar a pensar mais sobre nada do que está em… CONTINUA

Uma vontade imensa de acertar

Primeiro a justiça histórica: “Como Nossos Pais”, na versão de Elis Regina, é um hit da indústria cultural brasileira. Tanto quanto “O Que é, O Que é”, de Gonzaguinha, que aparece vezenquando nas novas comédias – a exemplo de Muita Calma Nessa Hora (2010). “O Que é, O Que é” sinaliza a fé, a esperança, o amor, ou mesmo o fim iminente de uma sessão de karaokê. Já “Como Nossos Pais” é um estado de graça. Várias estrofes sobre o generation gap, o dream is… CONTINUA

Qual é a ética diante das imagens violentas e perversas?

Hotel Nacional, novembro de 2001. Estamos numa das salas de debates do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na plateia, há cerca de trinta pessoas, entre realizadores, jornalistas e críticos frequentes no festival, como Luiz Zanin Oricchio e José Carlos Avellar. Na mesa, a mediação estava a cargo de Maria do Rosário Caetano e discutia-se quais seriam os motivos da “efervescência da cena cinematográfica pernambucana no contexto do chamado Cinema da Retomada”. Em certo momento, o cineasta Geraldo Sarno, que estava na plateia, pede a… CONTINUA

Fora da ordem

Hoje, tão fácil quanto produzir, editar, divulgar e distribuir imagens, é recusá-las. O mesmo clique que dispara também afasta e, assim, a roda do mundo (virtual) continua a girar entre a adoção e afastamento de um mar de pixels. Mas as imagens existem. Mais que nunca. Se elas mantinham um valor de ícone ligado a rituais muito concretos da comunidade, servindo como mediação entre seres humanos e instituições – a igreja católica desde a Idade Média, os Estados nacionais a partir do século XVI, e,… CONTINUA

O despertar dos vivos

A primeira imagem de choque em O Nó do Diabo é a cabeça de um homem negro explodindo com um tiro de escopeta. O atirador é um homem branco. Logo em seguida, o mesmo matador acerta uma jovem negra pelas costas. Estamos apenas com alguns minutos e o filme já nos lança no turbilhão de assistir àqueles corpos abatidos sob o jugo implacável de um jagunço moderno. A que (e a quem?) valem aquelas imagens num filme brasileiro hoje? Da cultura de um país que… CONTINUA