Dançar pelas imagens

A narrativa de Noite (Paula Gaitán, 2015) inicia-se com interações disformes de texturas sonoras em agitação enquanto a imagem permanece em silêncio. Fragmentos de uma cena do filme de Stanley Kubrick, 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), se aglomeram na intensa levada da bateria e dos beats eletrônicos, compondo planos e sons que parecem só se (des)encaixar dentro do universo do filme. Corpos vibrantes expandem e retraem-se sob luzes neon em boates da cidade grande, em uma noite que é infinita ao mesmo tempo que é… CONTINUA

— Canta pra mim?

Distopia não é a palavra, é tudo perto demais. O mundo já acabou algumas vezes. E renovadas formas de se chegar ao fim se delineiam a cada aurora. A ruína vem sendo escrita, filmada e recontada com distintas fisionomias. Tantas imagens e sonoridades foram concebidas para ensaiar uma faísca que guardasse uma parte desta terra sofrendo o interminável processo de arrasamento e restauro. A matéria trabalhada na mais recente manifestação de Glenda Nicácio e Ary Rosa é o futuro próximo de um Brasil desmoronado. Voltei!… CONTINUA

Mostra Foco #2: Projetar sonhos, cair em truques

Nessa sessão, personagens são uma coisa, mas também outra; individualidades que trazem outros tempos para dentro do tempo da narração, em que o sonho atravessa o realismo em um cruzamento tênue, onde a mão da montagem exerce a narratividade como evidência da construção de mundos. O segundo conjunto de curta metragens da mostra Foco tem Ratoeira (Carlos Adelino, 2020), De Costas pro Rio (Felipe Aufiero, 2020), Eu te Amo Bressan (Gabriel Borges, 2020) e 4 Bilhões de Infinitos (Marco Antonio Pereira, 2020). No cotejo com… CONTINUA

O tempo em volta

Os créditos finais de O Cerco (Aurélio Aragão, Gustavo Bragança, Rafael Spínola, 2020) terminam com uma legenda informando o local e o período de realização do filme: “Rio de Janeiro, 2013 – 2020”. A escolha pouco usual dos três diretores de declarar o período completo de quase uma década entre a concepção e a finalização expressa um certo desejo de vincular a obra e o tempo. Adotando um método de escrita de roteiro e encenação procedural, que era conduzido em grande medida pelo trabalho de… CONTINUA

para Rodson, com amor

Há que se agasalhar bem a sensação de perda, Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó) (2020) é um luminoso excesso. A tela suporta muito mais do que nela cabe, alguma coisa vai escapar aos olhos. Rodson nunca será capturado por inteiro. O filme de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Orlok Sombra é efeito de um acúmulo. Nascido de uma longa investigação vivida pelo coletivo Chorumex desde 2015, Rodson é o terceiro acontecimento da Trilogia do Terceiro Milênio, precedido por Tsunami Guanabara (2018), de… CONTINUA

A rústica tensão do jogo

A Mesma Parte de Um Homem (2021), terceiro longa-metragem de Ana Johann, é um filme que aposta na pujança dramatúrgica que cada cena é capaz de oferecer. Como se estivéssemos assistindo a micropeças, as cenas são costuradas pelos arroubos e pelas tensões que atravessam as relações entre os personagens que transitam entre o espaço recluso da casa e da amplidão da serra. A mise-en-scène lateja entre a constrição, as breves amenidades e os rompantes de raiva e, conjugada a um enredo que escala nos diálogos,… CONTINUA

Joana

Kevin começa pelas beiradas. Enquanto reúne fatias de espaços cotidianos – o apartamento, o trabalho, lampejos de Belo Horizonte –, começa a nos oferecer rastros do drama de Joana. Aos pouquinhos, ficamos sabendo que o pai está no hospital e que algo lhe aconteceu na altura da barriga. Uma tristeza doída impregna tudo. Joana está tão alheia que a câmera esquece dela por um momento para se debruçar sobre os outros professores na reunião da universidade. Quando sua amiga Kevin envia mensagens em inglês na… CONTINUA

Para que as crianças saibam

Por vezes, filmes desenham mapas, riscam a silhueta de espaços inteiros, traçam a amplidão de estradas, escrevem cartas geográficas e nos convidam a deitar os olhos, os pés, a boca sob as coordenadas de um chão. Outros filmes são como partituras – mapas de música – que guardam a substância que precede a língua. Abandonam qualquer palavra e se fazem de graves e agudos, refundando o alfabeto em rumores musicais. Há ainda filmes que inventam um enlace entre partitura e mapa, de modo que já… CONTINUA

Nordestes podem remontar a olhos de crianças

Realizado em Poções, município da Bahia, Rosa Tirana é roteirizado e dirigido por Rogério Sagui. Ao longo do filme, acompanhamos o percurso de Rosa, que parte de casa em busca de Nossa Senhora Imaculada. Galhos secos revelam a atmosfera da maior seca que o sertão nordestino já viveu. As narrativas da seca povoam bastante as imagens já conhecidas sobre o Nordeste e o cinema brasileiro já as explorou bastante. Existe, desde sempre, um fetiche brasileiro acerca do sofrimento do povo nordestino. Um sofrimento carregado por… CONTINUA

Mostra Foco #1 : Mirar horizontes, tropeçar em desabamentos de terra

Se ano passado o mote da Mostra de Tiradentes era “a imaginação como potência”, este ano parece que batemos na imaginação em revés. Não deu pé, a imaginação não deu conta, 2020 foi inimaginável. Tinha na formulação curatorial algo como: “a distopia como imaginário é um beco sem saída, precisamos de elaborações que escapem do achatamento de horizonte que vem se instalando ano a ano”. A intensidade de 2019 parecia a saturação máxima do assédio mental e material coletivo, mas não subestimemos a inventividade, estética… CONTINUA