Cinemas da rede, no meio do redemoinho: da mão à rua, da rua à mão (1)

Ao olhar em retrospecto para a última década de imagens fílmicas no Brasil, percebemos que se tornou insustentável para a crítica brasileira uma postura de negligência em relação a uma multidão de filmes realizados em todos os cantos do país, por realizadoras e realizadores diversos, que circulam diretamente por meio de plataformas online, sem a chancela dos festivais ou dos circuitos tradicionais de exibição. São filmes curtos, sem edital, sem crédito, sem certificado da Ancine, sem logo da Netflix, muitas vezes anônimos e sem título,… CONTINUA

O amor no instante

Neste mais recente O Sal das Lágrimas – e isto se mantivermos em mente a polissêmica constância de um diretor para quem a análise mais superficial acabaria por elencar pelo menos trinta filmes dedicados aos encontros amorosos desde meados dos anos sessenta – quando Geneviève, personagem de uma das três amantes principais de um certo Luc, diz-lhe que a separação “só parcial” deles, ainda que motivada pelo ingresso deste numa academia de altos estudos de marcenaria, findaria por separá-los de vez, ela não toma para… CONTINUA

“Os bárbaros invadiram os castelos” – Entrevista com Valter Filé – Parte dois

Continuando a entrevista com Valter Filé, aqui Bernardo Oliveira puxa assuntos relacionados ao trabalho fundamental de Filé com a memória do samba carioca, especialmente no projeto Puxando Conversa. Além disso, o papo trafega por sua relação com a universidade e por sua relação com o Eduardo Coutinho, ressaltando como o trabalho com Coutinho foi crucial para as práticas e reflexões de Valter Filé. (Juliano Gomes) * Bernardo Oliveira: Gostaria que você falasse sobre o Puxando Conversa, a partir da complexidade do registro. Registrar não é somente… CONTINUA

“Revitalizar a coletividade interrompida” – Entrevista com Valter Filé – Parte um

Em julho de 2020, Bernardo Oliveira conversou remotamente com Valter Filé, principalmente sobre sua experiência transgressora em TVs comunitárias como a TV Maxambomba e a TV Pinel. A experiência de Filé aqui descrita, entre ótimos causos e reflexões agudas, afirma um interesse da Cinética em explorar cada vez mais a fundo as zonas limítrofes das relações entre imagem e comunidade, entre pedagogia e cinema, entre ética e realização, e assim por diante. Esta é a primeira parte da conversa, que narra os primórdios de seu… CONTINUA

Valter Filé e a ficção da imagem popular

A experiência do vídeo e da TV popular no Brasil está diretamente associada ao processo de redemocratização que culmina com a Constituição de 88. Um grande fluxo de aporte financeiro internacional, através de agências e instituições como Oxfam Novib e CAFOD (Catholic International Development Charity), acorreu ao país durante este período, visando implementar uma plataforma de iniciativas voltadas para a reconstrução dos Direitos Humanos e do debate público no país. Surgem experiências de TV comunitária como a TV Viva, em Olinda, a Associação Brasileira de… CONTINUA

Pós-escrito (ou por um cinema preto que não caiba)

Estas observações aqui abaixo continuam um diálogo que se deu nesta sequência de cartas pensando desafios do cinema negro hoje. As questões principais são: que comunidade negra de cinema se quer? Que forma ela tem? Que ideias a compõem? Nesta próxima década veremos inevitavelmente uma segmentação – é assim que mercados funcionam. Não só de mercado, mas de ideias. Coco Fusco falou outro dia: “não precisamos de arte nova, mas de instituições novas”. É claro que filme novo é sempre bom, porém a forma de uma… CONTINUA

Refundar esta terra

Luz nos Trópicos é feito de imagens das mais variadas feições, escalas, texturas e tons. Um motivo visual, no entanto, salta aos olhos por sua recorrência. Um rio estreito e curvo, cercado de mato e encimado pelo céu espelhado na água, é adentrado por uma câmera serpenteante e calma, cuja marcha adiante encampa um movimento de descoberta. Seu oposto simétrico também retorna uma e outra vez: um rio turvo é percorrido por um barco que recua rapidamente, deixando para trás a água tumultuosa e a… CONTINUA

Essa maneira estranhamente esperançosa

[carta de Felipe André Silva para Pedro Maia de Brito, um dos diretores do filme] Pedro, no meu sonho de ontem o ano era 2030. Tentava te mandar um recado do futuro pra te dizer que nada mudou, nada melhorou, e nós não ficamos necessariamente mais fortes, mas voltamos a sonhar. Te lembrava, ainda que você já saiba disso, que nos últimos vinte anos tínhamos desaprendido os caminhos que levam a esse terreno onde tudo é possível, tudo é da lei, e às vezes, é… CONTINUA

Fronteiras do esquecimento

Um pouco filme de terror, um pouco suspense investigativo, um pouco drama e um pouco documentário, Pajeú é uma junção entre a tentativa de dar continuidade ao recente diálogo de um certo cinema brasileiro com as convenções de gêneros americanos e o desejo de se apoiar em operações documentais como estratégia para um diagnóstico político ilustrativo, imediato. A sequência de abertura nos revela o encontro de Maristela (Fátima Muniz), protagonista, com uma espécie de assombração, que logo entendemos ser a figura do monstro, iconografia característica dos… CONTINUA

Um cinema da culpa?

Felipe André: É notável como se instaurou uma espécie de “cinema da culpa” nos círculos da produção cinematográfica mundo afora durante os últimos dez, talvez cinco anos. Criadores que não necessariamente teriam interesse em determinados assuntos ou pautas encontraram na possibilidade de falar sobre ou “oferecer voz” a corpos dissidentes um bom combo de autopromoção e mea-culpa. Para Onde Voam as Feiticeiras é um exemplo cabal: duas realizadoras brancas e um realizador branco reúnem um grupo heterogêneo de artistas e militantes para criar um happening… CONTINUA