Anotações de Brasília #3: “Pisa o silêncio caminhante noturno”

Sobre o mundo paira uma caligem, que, espessa, se adensa ao atravessar o Brasil. E nós só sabemos ficar atônitos, assustados e impávidos diante de toda a obscuridade. New Life S.A e Bloqueio são duas reações distintas à emergência de novas velhas forças conservadoras que dominam ou querem retomar as rédeas de um país em convulsão. 1. New Life S.A. parte de um princípio básico: a elite esta mais viva, dominante e repulsiva do que nunca; longa vida ao sarcasmo contra a elite. Se ela… CONTINUA

Anotações de Brasília #2 : “Da morte, renascemos”

“Mudos também os mortos pronunciam as palavras que nós, os vivos, dizemos”. Octavio Paz, sempre soube que entre nossas estórias e conversas estão em movimento concomitante às de nossos antepassados. Nos vamos mas deixamos a palavra, “filha da morte”, “coisa humana”, e com ela, uma vida em meio ao tempo. Los Silencios é, nesse sentido, um filme octaviano, instituindo uma vida mortuária entre uma comunidade numa tríplice fronteira de lugar nenhum. Este lugar real – a Isla de la Fantasia, que fica na cidade de… CONTINUA

Anotações de Brasília #1: “Feliz é o povo que não precisa de heróis”

No primeiro dia de festival de Brasília uma pergunta ressoa mais categórica: como persistir sobre a violência? Tempos de arbitrariedade irresoluta demandam uma reflexão sobre nossas mais contingentes reações. No caso de Torre das Donzelas, voltamos no tempo, ou melhor, damos um passo para trás com consciência de que aquilo é apenas um flashback consequente. O filme convida mulheres perseguidas e presas na ditadura, mais especificamente as militantes revolucionárias pós-golpe dentro do golpe em 1968 (AI-5), que foram parar no presídio Tiradentes em São Paulo… CONTINUA

… ma non troppo

O Banquete começa com um close up de uma planta carnívora comendo uma mosca em uma sala de jantar. A imagem difere ligeiramente do tipo de registro que pautará o restante do longa-metragem, porque se quer metafórica e premonitória, pronta a ecoar nos momentos seguintes do filme: o jantar é uma armadilha. Logo descobriremos o setup – uma mesa com oito lugares vazios frente a um enorme espelho, que servirá para, no reflexo, emoldurar e retirar de quadro sequencialmente as figuras que o adentram –… CONTINUA

O rastilho indiscreto da ficção

Quando Historias Extraordinarias surgiu, em 2008, o filme de Mariano Llinás teve um impacto decisivo no cinema latino-americano de então. De repente, no interior da cinematografia independente argentina, a mais sólida da região, assentada há uma década e meia no realismo, na cotidianidade, na sobriedade da encenação – basta pensar no paradigmático pontapé inicial de Rapado (1991), de Martín Rejtman –, surgiam aquelas quatro horas de histórias paralelas cheias de bifurcações e desvios, aqueles mistérios insondáveis conduzidos por uma narração em voz over verborrágica e… CONTINUA

Um funeral ao patriarcado latino-americano

Estamos no México, e Fernanda Rivera, a protagonista do documentário Antígona, chama de maestro quem no Brasil nomearíamos como professor. Confesso uma ligeira indecisão sobre qual dos vocábulos prefiro. Maestro denota um saber como posse, é asperamente nobre, presunçoso, hierárquico, mas também transmite, nas suas rápidas sílabas, uma notável tradição. Professores seriam sujeitos a disseminar práticas, espalhar ideias, conceitos – como se fossem pares, um tanto horizontais, das descobertas dos alunos. Um pouco moderno, com pitadas mundanas. É justamente a oscilação, meio sacra, meio profana,… CONTINUA

Nas garras do medo

A experiência do ser jovem no século XXI é indissociável da proximidade claustrofóbica com as mais diversas e espessas camadas de uma ansiedade imperativa sobre a tônica do cotidiano. Formar uma existência social enquanto juventude pós-digital implica construir aprendizado e mudança a partir de enfrentamentos e de negociações diárias com os impulsos de controle de um nêmesis pós-moderno. O preço do fraquejo é um abismo de identidade própria, que só costura unidade geracional pelos reencontros familiares com corredores sem fim, portas para salas escuras e… CONTINUA

Interrogar a vitalidade da fronteira

Categorias como “documentário” e “experimental” (ou “avant-garde”) pertencem àquela classe de palavras traiçoeiras, dessas que – na falta de precisão – é sempre bom evitar. Com elas, no entanto, acontece um fenômeno curioso: não há ninguém que assuma o fardo de uma definição exaustiva e cabal – e ninguém que não entenda o que se quer indicar quando as invocamos. E isso porque, embora uma tentativa de conceituação dispare um sem fim de problemas de natureza estética e filosófica, é fácil constatar que ambas formam… CONTINUA

Carta ao Heitor (ou Desculpe a bagunça ou Ao mesmo tempo)

Heitor, Há mais de seis meses você publicou no Urso de Lata o texto O que pode ser o cinema, e o cinema negro, brasileiro em 2018. Fiquei muito mexido, “solicitado” mesmo, pelo texto. Fiquei com a mão querendo te responder. (Outras águas passaram por aqui.) Meio ano já foi, mas acredito que as perguntas ainda estão aí na rua. Elenquei aqui abaixo umas notas numeradas. Algumas respondem diretamente pontos que teu texto levanta, outras são coisas que a leitura do teu texto me disparou… CONTINUA

Renascença – uma conversa com Pierre Léon

“Esse é meu primeiro prêmio”, disse um risonho Pierre Léon ao receber um troféu em sua homenagem na sessão de abertura da 11ª Mostra CineBH, em agosto de 2017. Com o bom humor que lhe é peculiar, o realizador nos fazia pensar em sua trajetória até aqui: sem alarde, quase na surdina, bem longe dos holofotes dos grandes festivais e dos contratos de distribuição, Léon construiu uma das filmografias mais singulares do cinema contemporâneo. Seu método e sua poética se tocam: filmando a cada verão,… CONTINUA