Cinemas da rede, no meio do redemoinho: da mão à rua, da rua à mão (1)

Ao olhar em retrospecto para a última década de imagens fílmicas no Brasil, percebemos que se tornou insustentável para a crítica brasileira uma postura de negligência em relação a uma multidão de filmes realizados em todos os cantos do país, por realizadoras e realizadores diversos, que circulam diretamente por meio de plataformas online, sem a chancela dos festivais ou dos circuitos tradicionais de exibição. São filmes curtos, sem edital, sem crédito, sem certificado da Ancine, sem logo da Netflix, muitas vezes anônimos e sem título,… CONTINUA

“Os bárbaros invadiram os castelos” – Entrevista com Valter Filé – Parte dois

Continuando a entrevista com Valter Filé, aqui Bernardo Oliveira puxa assuntos relacionados ao trabalho fundamental de Filé com a memória do samba carioca, especialmente no projeto Puxando Conversa. Além disso, o papo trafega por sua relação com a universidade e por sua relação com o Eduardo Coutinho, ressaltando como o trabalho com Coutinho foi crucial para as práticas e reflexões de Valter Filé. (Juliano Gomes) * Bernardo Oliveira: Gostaria que você falasse sobre o Puxando Conversa, a partir da complexidade do registro. Registrar não é somente… CONTINUA

“Revitalizar a coletividade interrompida” – Entrevista com Valter Filé – Parte um

Em julho de 2020, Bernardo Oliveira conversou remotamente com Valter Filé, principalmente sobre sua experiência transgressora em TVs comunitárias como a TV Maxambomba e a TV Pinel. A experiência de Filé aqui descrita, entre ótimos causos e reflexões agudas, afirma um interesse da Cinética em explorar cada vez mais a fundo as zonas limítrofes das relações entre imagem e comunidade, entre pedagogia e cinema, entre ética e realização, e assim por diante. Esta é a primeira parte da conversa, que narra os primórdios de seu… CONTINUA

Valter Filé e a ficção da imagem popular

A experiência do vídeo e da TV popular no Brasil está diretamente associada ao processo de redemocratização que culmina com a Constituição de 88. Um grande fluxo de aporte financeiro internacional, através de agências e instituições como Oxfam Novib e CAFOD (Catholic International Development Charity), acorreu ao país durante este período, visando implementar uma plataforma de iniciativas voltadas para a reconstrução dos Direitos Humanos e do debate público no país. Surgem experiências de TV comunitária como a TV Viva, em Olinda, a Associação Brasileira de… CONTINUA

“Uma trepada com o cinema” – Encontro com Carlos Adriano

O cinema de Carlos Adriano sempre insistiu num caminho inteiramente apartado das correntes principais da história do cinema brasileiro. Em sua insistente poética dos arquivos, Adriano cavou uma estrada solitária, que lhe rendeu homenagens e admiradores ao redor do mundo, mas permanece ainda muito desconhecido em seu país. A série de filmes Sem Título, realizada a partir de 2014 e que já conta com seis trabalhos, é um marco do cinema de invenção brasileiro da última década. Por ocasião da série #RevisõesAnos10, decidimos retornar a… CONTINUA

Masculinidades montadas em couro: fantasia e desejo no cinema de Daniel Nolasco

Uma das propostas mais instigantes do festival Olhar de Cinema de Curitiba é o eixo curatorial de sua Mostra Foco. Guiada pelo anseio de difundir no Brasil a filmografia de jovens diretores ainda pouco conhecidos por aqui, esta “retrospectiva precoce” já celebrou cineastas como Nathan Silver, Camila José Donoso e Matías Piñeiro. Em 2020, pela primeira vez, o festival optou por colocar seus holofotes em um cineasta brasileiro. O escolhido foi Daniel Nolasco que, em uma década de carreira, já construiu uma prolífica filmografia que… CONTINUA

Perdi a cabeça, pulei na piscina

Então me lembrei: não sabia nadar “Boca a boca”, composição de Nazildo e Juvenal Ungarelli 1. Uma ideia mais ampla, profunda, profissional etc., do que seria um tal “cinema brasileiro” ainda não estava na minha gama de preocupações quando assisti a Alguma Coisa Assim, curta que Esmir Filho dirigiu em 2006. Já naquela época, no entanto, era possível notar certa distância mantida entre o cinema jovem, ativo, colorido e queer (há quem dispute o termo, mas a discussão não cabe aqui e agora), proposto pelo… CONTINUA

O funeral do século

O cenário em tela é a desintegração da União Soviética e suas sequelas. Loznitsa atualmente vive na Alemanha, filmando com parcerias internacionais: Donbass, de 2018, foi construído a partir de material coletado no Youtube, postado por milícias pró-Rússia e separatistas da Ucrânia, que apoiam a República Popular de Donetsk, estabelecida em 2014. Por sua vez a Rússia anexou, também em 2014, a Crimeia, território ucraniano. Pagou um preço elevado em sanções econômicas dos EUA e Europa, que atingiram pessoalmente aliados do Presidente Putin. Em dezembro… CONTINUA

Cinemáquina de guerra de Spike Lee

Black is black Preto no preto. A certa altura de Destacamento Blood, Paul (Delroy Lindo) e David (Jonathan Majors), pai e filho, estão alarmados. É noite escura e, na mata vietnamita, “todos os gatos são pardos”, como diria o código da urbanidade. A imagem da pele preta sobre o fundo preto é, na lente de Spike Lee, uma espécie de signo de intransigência, uma não concessão. Um pouco como uma rebatida ao blackface – a pele branca tornada preta na superfície, violência no contraste, como… CONTINUA

Sádicas: um ritual

Às vésperas do carnaval de Olinda, algumas gatas se reúnem para assistir a Ritual dos Sádicos/O Despertar da Besta (1970), a obra censurada de José Mojica Marins, por oportunidade de sua morte. Depois de agonizarem por uma hora e meia, já podem considerar abertas as portas do carnaval. Alguns meses após o ocorrido, duas delas ressuscitam para mancomunar esta crítica do filme que você está prestes a encarnar.  Em Ritual dos Sádicos, atos de perversão praticados dentro do submundo paulista corroem a estabilidade do tecido… CONTINUA