in loco - cobertura dos festivais
Nascido e Criado (Nascido y criado), de Pablo
Trapero (Argentina/Itália/Inglaterra, 2006) por
Cléber Eduardo
Sóbria superação da perda Deixemos
para outra ocasião e para outros críticos as relações entre Nascido e Criado
e os filmes anteriores do argentino Pablo Trapero (Mundo Grua, El Bonaerense,
Familia Rodante). Até porque o cineasta, até onde se pode perceber, não
persegue recorrências, como a japonesa Naomi Kawase ou o mexicano Carlos Reygadas,
outros dois diretores cujos filmes, confirmadores de uma proposta já bastante
evidente nos trabalhos anteriores, também estão no Festival do Rio. Não se afirma
com isso que Trapero não tenha matrizes, por assim dizer, mas, até o momento,
não procurou explicitá-las em nome, claro, de uma autoralidade reconhecível na
feira de imagens. Parece-nos que, antes de transformar obsessões pessoais em filmes,
Trapero busca personagens – talvez menos para expressar-se, e mais para expressá-los. O
protagonista de Nascido e Criado, Santiago, vive em uma família feliz,
com esposa e filha, uma vida de classe média confortável, com projetos para o
futuro. Palavrinha movediça essa. Porque o futuro será desviado em uma derrapagem
na estrada, um dos momentos mais fortes do cinema recente, na qual a tela escurece
e só ouvimos os berros de Santiago. Corta. Ele se tornou caçador, vendedor de
peles e funcionário de um pequeno aeroporto, situado em um lugarejo qualquer,
que vive cancelando vôos. Tem dois amigos, um com a ex-mulher grávida, outro com
a mulher a morrer. Calado a maior parte do tempo, corroído pela tristeza, ele
eventualmente surta. Chega a ficar agressivo, chora, evidencia os sinais da ausência.
Estaremos em uma variação da jornada interna da resistência
a perda, da qual as mais intensas imagens tem sido as de Naomi Kawase? Somente
em parte. Embora o sofrimento doa personagens e sua maneira de lidar com isso
seja núcleo do filme, Nascido e Criado também se atenta para o ao redor
de Santiago, valorizando os coadjuvantes e suas questões, um com algo a ganhar
e perder (um filho para nascer, uma vida para deixar), outro com algo a perder
e a ganhar (a vida de sua mulher, a libertação pela morte), assim como aos laços
de afeto gerados pelos três em cena, a maior parte do tempo afirmando a vida em
meio às dores. É um Trapero sóbrio, visualmente sobretudo, com uma câmera mais
discreta, elegante mesmo, sem explicitação de um estilo. Talvez seja seu filme
mais discreto, talvez o mais pálido, sem a aposta mais radical de um Vincent Gallo
em The Brown Bunny, mas com muito afeto nas imagens.
Setembro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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