eletrônica
Nam-June Paik, 1961-2006
por Cezar Migliorin
A propósito da Retrospectiva no Centro
Cultural Telemar – RJ
“Eu
sou um pobre homem, de um país pobre, então eu tenho que ser engraçado
o tempo todo”
Nam June Paik
Em março de 1963, na Galeria Parnass em Wuppertal, Alemanha, Nam
June Paik faz uma exposição individual onde ele inventa o que
ele viria a chamar de vídeo-arte.
Um ano antes, na mesma galeria, o coreano é apenas um espectador
de uma apresentação do então recentemente formado Grupo Fluxus,
um grupo de artistas Neo-dadaístas que tem a frente o lituano
George Maciunas. Ainda em 1962, Paik se junta ao grupo e interpreta
algumas de suas composições em Dusseldorf – One for Violin
(solo), Sonata quasi Una fantasia e Bagatelles Américaines.
Quando Paik passa a fazer parte do Fluxus, antes de iniciar seus
trabalhos com vídeo, se destaca pela forma como radicaliza reverencialmente
os passos de John Cage.
Assim como Cage, Paik faz da música um happening:
introduz corpos estranhos, quebra instrumentos e transforma em
música os corpos e eventos ao seu redor. A formação musical de
Paik constituía seu principal background: graduou-se em
História da Música em Tóquio e, de 1956 a 1958, estudou História
da Música na Universidade de Munique. Na Alemanha, também, conheceu
Karlheinz Stockhausen, estudou composição no conservatório de
Freiburg e trabalhou no Rundfunk Electronic Music Studios, em
Colonia, onde Stockhausen havia trabalhado.
Em 1958, conheceu John Cage que no início dos
anos 60 foi um dos espectadores de uma apresentação em que Paik
executa Ballade de Chopin. No meio de sua apresentação
Paik deixa o piano e com uma tesoura continua seu espetáculo cortando
a gravata e a camisa de Cage. Quando Maciunas conhece Paik sua
fama já corria entre os artistas: “o homem que transformou Cage
em música”.
Exposição de música e televisão eletrônica
era o nome da exposição de 1963. O aleatório, o caos, a participação,
o happening, a interatividade e a presença dos corpos,
tanto do manequim partido em uma banheira quanto dos espectadores
que escutavam sons pela boca com um dispositivo inventado por
Paik, estão presentes ali – mas tudo isso era mais ou menos conhecido
dos que acompanhavam o Fluxus e os desdobramentos pós-duchampianos
nas artes plásticas. Entretanto, nesta mesma exposição, uma obra
nem tão “divertida” foi apresentada por Nam June Paik: 13 televisores
preparados. O próprio titulo da exposição já indicava a transição
que o artista estava operando, passando da música para a imagem
eletrônica.
O que se via em Wuppertal era radicalmente novo.
A partir destas 13 televisões de Paik a arte do século XX não
seria mais a mesma. Algumas experiências que deslocavam a TV de
seu “habitat natural” já haviam sido feitas antes de Paik: após
a exposição de 63 Paik faz referência em textos a artistas como
o alemão Wolf Vostell, pela maneira como este já relacionava o
aparelho de TV como elemento heterogêneo. Entretanto, ações como
a de Vostell partiam essencialmente de uma postura negativa em
relação ao aparelho. Enterrar, quebrar e destruir a TV eram as
práticas centrais. Paik positiva o aparelho.
Que
imagens uma TV é capaz de gerar, além de uma banal reprodução
eletrônica do real? A TV de Paik torna-se abstrata, seus pixels
são transformados em matéria prima para imagens que só a TV seria
capaz de produzir. A informação é degradada e perturbada eletronicamente
através de geradores de freqüência, tornando-se aleatória e desregrada.
Os televisores são colocados um sobre os outros, na vertical ou
em posição normal e, enquanto a TV alemã transmitia sua programação
(só havia um canal de TV na Alemanha em 1963), a emissão ia sendo
eletronicamente deformada por Paik e em cada TV um distorção diferente.
Nas Palavras de Paik:
Minha Televisão Experimental é
nem sempre interessante
mas
nem sempre desinteressante
como a natureza, que é bela,
não porque se transforma belamente,
mas porque se transforma.
O núcleo da beleza da natureza é que a QUANTIDADE ilimitada da
natureza desarmou a categoria de QUALIDADE, que é inconscientemente
misturada e confundida com duplos sentidos.
l) caráter
2) valor
Em minha TV experimental, a palavra QUALIDADE significa somente
o CARÁTER, mas não o VALOR. A é diferente de B, mas não que
A é melhor do que B. Às vezes eu necessito maçã vermelha. Às
vezes eu necessito lábios vermelhos(1).
Este trabalho de Paik é revelador ainda de um
procedimento maior em sua obra: a desubjetivação do artista na
matéria por ele trabalhada. Quando, em 1974, Paik faz sua primeira
grande exposição com vídeo, ele deixa claro o “desejo de muito
sucesso e muito dinheiro com sua obra” evidenciado a conexão com
o pop e com o próprio universo da televisão que lhe serve de material
prima.
As televisões presentes na exposição de 63 são,
de maneira geral, ignoradas pela pessoas que foram à exposição
de Paik e por pessoas como Thomas Schmitt, que está presente no
cartaz como colaborador artístico e que após a exposição escreveu
detalhadamente sobre cada obra e nem uma linha sobre os 13 aparelhos
de TV. Formalmente, existia já nesta exposição a idéia da utilização
dos aparelhos para além da interferência nas imagens por eles
geradas. Ao espalhar as TVs pela sala e coloca-las em diversas
posições, Paik inicia o que será parte importante da forma como
irá trabalhar sua arte; ou seja, se servindo do aparelho de TV
como peça para montagem de esculturas eletrônicas. O objeto TV
tornava-se, ele próprio, uma forma de intervenção e construção
no espaço. A imagem eletrônica de Paik será colocada em cena,
cenografada e colocada em relação com outras imagens vindas de
outras fontes e com outros objetos. Não é sem razão que Paik ao
escrever sobre sua “Televisão experimental” a compara com a natureza.
Assim como a natureza, a imagem eletrônica compõe o que entendemos
como sendo o nosso mundo, no seu conteúdo e na sua materialidade.
É essa dimensão natural e global que Paik explora
quando manipula imagens vindas de diversos lugares e culturas,
pertencentes a ninguém e a todo mundo quando, em 1974, a WNET-TV
de Nova York transmite Global Groove. O trabalho é uma
colagem de imagens da cultura de massa eletrônica; uma emissão
que perambula entre imagens e sons vindos de vários países e referência
culturais. Paik une aqui a “vanguarda” à cultura de massa, o abstracionismo
e as distorções às imagens quaisquer e às imagens geradas por
amigos como Charlotte Moorman, John Cage, Allen Ginsberg e Karlheinz
Stockhausen. O francês Jean Paul Fargier identifica em Global
Groove o interesse que Nam June Paik sempre teve pelo ao vivo
(live em inglês) e que irá explorar mais tarde através
de trabalhos executados com transmissão via satélite, como Wrap
around the word. Neste trabalho, de 1988, executado durante
as olimpíadas de Seul, Paik retransmite à partir da PBS (Public
Broadcasting System) de Nova York o sinal que ele recebe de dez
paises diferentes; Irlanda, Israel, Brasil, Áustria, Japão, Corea
do Sul, Estados Unidos, China, União Soviética e Alemanha. Aqui
também o pop e a cultura de massa se unem sem hierarquia. Wrap
around the word coloca em relação personagens e eventos tão
distintos como David Bowie, Merce Cunningham, Serginho da Mangueira,
Hans Donner, dança Buto e Ryiuchi Sakamoto. Em entrevista
a Eduardo Kac (1988) Paik fala sobre este trabalho: “É um grande
risco criar uma emissão de televisão ao vivo em tão grande escala
somente com “high art”, porque a televisão é um meio de divertimento
e temos que ter cuidado..... Não estou dizendo que não estamos
criando “high art”, mas que estamos criando uma nova “high art”
com novos materiais. Esta é minha última emissão com satélite,
mas é também o começo de um movimento satélico de futuro. (larger
satellite movement of the future)”.
Paik sempre criou no presente, imaginando e interrogando
a relação homem/máquina pela arte. Rever os trabalhos, a liberdade
e a grandiloqüência de Paik hoje é uma grande inspiração para
nosso cotidiano midiático, eletrônico, digital e globalizado.
(1)
My experimental TV is
not always interesting
but
not always uninteresting
like nature, which is beautiful,
not because it changes b e a u t i f u l l y,
but simply because it c h a n g e s.
The core of the beauty of nature is that the limitless
QUANTITY of nature disarmed the category of QUALITY, which is
used unconsciously mixed and confused with double meanings.
l) character
2) value.
In my experimental TV, the word QUALITY means only
the CHARACTER, but not the VALUE.
A is different from B,
but not that
A is better than B.
Sometimes I need red apple
Sometimes I need red lips.
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