in loco - cobertura dos festivais

Meu Winnipeg (My Winnipeg), de Guy Maddin (Canadá, 2008)
por Fabio Diaz Camarneiro

A Winnipeg dele

De uma forma ou de outra, a autobiografia foi sempre um elemento dos filmes de Guy Maddin, mas nunca de maneira tão onipresente. My Winnipeg é um retrato irônico, cômico, exagerado e caricato de sua cidade natal e de sua família. Talvez a melhor tradução para My Winnipeg fosse o feminino Minha Winnipeg. Em primeiro lugar, porque Winnipeg é uma cidade, mas também porque o filme, uma fantasia expressionista sobre a infância e adolescência do diretor Guy Maddin, é assombrado pela figura da mãe. A mãe domina todo o filme como uma presença fantasmagórica em uma cidade de sonâmbulos.

A intenção de Maddin é buscar o onírico, o inconsciente. Para isso, My Winnipeg traz suas marcas registradas: o preto e branco com muito contraste, situações bizarras, um humor delicado. Talvez essa descrição leve alguém a pensar em David Lynch, mas há uma diferença muito grande entre o canadense e o norte-americano. O primeiro se coloca no centro dos eventos de seu filme, como se pudéssemos ver suas próprias memórias desfilarem na tela; já Lynch filma uma loucura que lhe é alheia. Lynch busca o bizarro no mundo, Maddin busca dentro de sua loucura. Daí certa obsessão, em My Winnipeg e em seus demais filmes, por relações freudianas, a descoberta do sexo e as relações familiares. Falar sobre si mesmo é algo muito complicado, que depende de um equilíbrio constante entre a auto-indulgência e a autopromoção, entre piedade e vaidade. Se My Winnipeg vez por outra esbarra em um desses problemas, isso não lhe tira certo encanto.

Nos momentos em que se afasta um pouco de seu diretor e se aproxima da cidade que dá título ao filme, My Winnipeg ganha interesse. A arquitetura da cidade se torna presente: uma grande loja de departamentos demolida, piscinas públicas em três andares de um prédio e, talvez o mais interessante de todo o filme, o grande estádio de hóquei. As imagens da demolição do antigo estádio (e as fantasias provocadas por essa memória) e a construção de um novo estádio se tornam o ponto nevrálgico entre duas Winnipegs: a do passado e a do presente. A da memória e a da realidade.

Nos vestiários que “cheiram a urina”, as memórias de Maddin parecem menos obcecadas, mais livres, mais honestas, talvez mais próximas a nós. É quando temos uma memória afetiva de uma cidade, das esquinas e dos odores que permanecem na memória de quem viveu ali. Ainda assim, Maddin ensaia uma ou duas frases à guisa de análise sociológica (ao falar da cerca do colégio de meninas ou das razões da demolição da antiga arena de esportes), onde o discurso fica entre o ingênuo e o ressentido. Muito mais interessantes são as pequenas ironias do filme, que valem mais que toda a construção familiar de Maddin (no fundo, uma espécie de telenovela expressionista e bizarra, uma paródia): a montanha de lixo que, coberta de neve, serve como pista de esqui; as cabeças congeladas dos cavalos mortos.

Já nos créditos de abertura, a voz de Maddin, em off, dá instruções para a atriz. Logo, esta voz se tornará onipresente. Verborrágico, My Winnipeg trabalha com o excesso (ou com a redundância): a voz de Maddin repete palavras que aparecem muito rapidamente na tela; repete as imagens trêmulas, em um preto e branco agressivo, muitas vezes deliberadamente artificial. Todo esse excesso de meios para dizer a mesma coisa torna a experiência do filme algo de “pesado” (o que não necessariamente quer dizer denso). Se Maddin apostasse menos em sua constante voz off e resolvesse deixar as imagens correrem na tela, talvez o resultado se aproximasse ainda mais de um sonho. Afinal, ao invés de sermos convidados a nos perdermos em Winnipeg, somos conduzidos como numa excursão turística, com pouco tempo para apreciar cada coisa e com a voz do agente de viagens falando incessantemente, levando-nos com rédea curta através de uma Winnipeg de sonho.

Outubro de 2008

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