in loco - cobertura dos festivais
Mulher na Praia (Haebyonui yoin), de Hong Sang-soo
(Coréia do Sul, 2006) por
Eduardo Valente A
realidade do artifício
Embora este seja seu primeiro
filme exibido no Brasil, Hong Sang-soo é um dos nomes mais marcantes do cinema
coreano na cena internacional. Logo nas primeiras cenas de Mulher na Praia
(seu sétimo longa), percebemos que existe uma atenção de Hong para o posicionamento
da câmera em relação ao ambiente e os personagens, e o constante reenquadramento
que faz por meio do zoom (de resto uma ferramenta bastante em desuso no
cinema contemporâneo - pelo menos com este fim). Se unimos esta mise-en-scène
que parece ter um quê de cerebral, com o uso que ele faz, por exemplo, da trilha
sonora, constatamos ter aqui um cineasta em constante pensamento sobre a linguagem
utilizada para criar suas histórias. Por isso tudo, existe
algo em Hong Sang-soo que nos faz pensar bastante em Claude Chabrol e sua frieza
analítica frente ao mundo. No entanto, se esta postura atrás da câmera lembra
Chabrol, o que Hong faz os atores encenarem nos faz pensar muito mais em Eric
Rohmer, pois se trata aqui de fato de contar com um jogo extremamente sofisticado
entre os atores e o texto que por eles é dito, um jogo marcado eminentemente por
um naturalismo “auto-consciente”, por assim dizer. De uma forma ou de outra, não
é por acaso que o cinema deste coreano que estudou na Cinemateca Francesa nos
faz pensar nos cineastas franceses. Mas,
bem notado: como Chabrol e Rohmer fazem uma mistura pouco provável na tela, de
fato o que podemos ver é que Hong possui um toque pessoal bastante forte, que
deixa ver suas influências mas não as copia. Há em Mulher na Praia uma
graça toda própria, uma capacidade de desarmar as defesas do espectador com uma
mistura de prazer no jogo do encadeamento dramático (impressiona a quantidade
de vezes em que Hong interfere escancaradamente em sua história através de algumas
pequenas mas marcantes deus ex-machinae), e um humor peculiar, que consegue
nos fazer rir do mais dramático dos eventos para seus personagens, sem com isso
significar que ele os torne ridículos. Isso porque há no
filme, para além de tudo, uma porção de reflexividade muito bem pensada, que coloca
em questão, ainda que bem discretamente, as urdiduras mesmas do cinema (não por
acaso, ao conhecer a segunda mulher no resort de praia, o protagonista dirá a
ela que quer “reescrever sua personagem”, que era a mulher com quem teve um caso
dois dias antes). Hong Sangsoo consegue neste Mulher na Praia uma daquelas combinações
muito raras no cinema: a do cineasta que nos deixa à mostra as cordas com que
faz mover as marionetes, e ao mesmo tempo nos entretém (no sentido mais amplo
do termo) absolutamente com o movimento delas. É um feito e tanto. Setembro
de 2007
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