Mulheres Sexo Verdade Mentiras,
de Euclydes Marinho (Brasil, 2007)
por Lila Foster

Grande tema, pequenos esforços

Fui assistir Mulheres Sexo Verdades Mentiras com o desejo de botar à prova mais uma tentativa de representar a forma como nós mulheres lidamos com nossos desejos sexuais, as barreiras que nos impomos ou buscamos por derrubar. Escrevo assumidamente em primeira pessoa porque para mim o desejo de falar, ler e pensar sobre o assunto é latente, mas me parece quase impossível dar conta de tal experiência sem falar de si ou sem perder de vista o fato de que falar na “mulher”  é incorrer no perigo da generalização de uma experiência por demais complexa. Não por acaso, Laura, a protagonista de Mulheres Sexo Verdades Mentiras é uma bela documentarista que redescobre o sexo e a si mesma ao encontrar seu amante, Mário, e, tomada pelas descobertas, amplia sua experiência para a produção de um documentário sobre o desejo sexual.

A sua primeira ação é virar a câmera para si, fazendo do relato subjetivo, em primeira pessoa, a pedra fundamental de seu próprio filme. Disposta a transformar o aparato em confidente, a sua quebra de tabus se amplia para o desejo de entender, em conjunto com outras mulheres, a vida libidinal feminina em tempos mais libertos, mas que ainda carregam pudores e restrições muitas vezes auto-impostas pelas próprias mulheres. É isto que movimenta o documentário de Laura (o filme dentro do filme) e, numa primeira instância, o filme de Euclydes Marinho. Os depoimentos que ela capta refletem uma busca de auto-conhecimento e amplia sua experiência de vida nos temas e perguntas às suas entrevistadas: masturbação, realização de fantasias, o adultério e a ansiedade amorosa.

Revelando um suposto mundo novo (o cartaz traz os dizeres: “Vocês não imaginam o que elas falam sobre sexo”) como se os depoimentos sinceros sobre dificuldades com os parceiros ou suas aventuras picantes mostrassem um universo escondido, talvez encoberto por mentiras, o uso do registro documental aos poucos revela uma lógica que empobrece a proposta inicial do filme. As imagens documentais em Mulheres Sexo Verdades Mentiras são de duas naturezas: as entrevistas feitas pela protagonista são, na maioria das vezes, depoimentos encenados para a câmera, imagens estas que se misturam aos depoimentos reais de mulheres (prostitutas falam sobre o prazer no trabalho, mulheres na rua revelam fantasias, e outras desmistificam a masturbação).

Mesmo que a intenção fosse que essas imagens não soassem tão distintas e refletissem um documentário em andamento, a diferença na sua natureza acaba expressando uma necessidade do diretor de ir ao “real” como legitimação, como se ali se tratasse da verdade. O que esse movimento traz à tona é uma postura quase jornalística e televisiva, no que ela tem de superficial. Como um âncora que lê dados sobre o número de mulheres que se divorciaram na última década, chama um sociólogo que repete os mesmos dados e ainda completa a matéria com uma entrevista com uma recém-divorciada, o filme redunda numa estrutura ilustrativa, de entrevistas que dão lastro ao ficcional num movimento que vai do particular para o geral, de Laura para AS mulheres.

O recurso às entrevistas revela a pouca vontade em escutar: elas estão ali para cumprir uma função na economia narrativa e isso aponta exatamente para uma certa concepção sobre as personagens ficcionais, suas respectivas ilustrações e, consequentemente, as mulheres. Falta coragem ou talvez um esforço um pouco maior para se dedicar ao tema com a complexidade que ele merece e o interesse que é capaz de despertar. O diretor usa de estratégias como quase negar a fala e a imagem ao homem, mas esse esforço de concentração empobrece ao invés de revelar um universo específico. Nos encontros entre Laura e Mário, vemos somente pedaços de seu amante. O câmera-assistente de Laura (interpretado por Fernando Alves Pinto) funciona como homem-objeto, aquele que faz o que tem que fazer na hora que é chamado. Nas poucas entrevistas, os homens só tem voz para mais uma vez corroborar com uma idéia lançada: a de que os homens também se apaixonam e são capazes sim de ficar com somente uma mulher (fórmula cruel do tipo ser homem é igual a ser infiel ou tarado).

Mulheres Sexo Verdades Mentiras na sua costura entre documentário e ficção não consegue dar a atenção devida ao tema grandioso e genérico que anuncia o seu título: a sexualidade feminina e a forma como as mulheres falam sobre tal tema. O que fica é a forma como Julia Lemmertz doa à sua personagem intensidade e beleza, na maneira como interpreta a paixão, a cumplicidade com a sua filha, a implicância com a irmã travada ou a conversa miúda com a melhor amiga. As interpretações acabam conseguindo revelar pequenas verdades das relações – pena que sufocadas por uma outra estrutura por demais preguiçosa diante do grande tema que tenta abarcar.

Janeiro de 2008

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