in loco - cobertura dos festivais
Mister Lonely (idem), de Harmony Korine (Reino
Unido/França/Irlanda/EUA, 2007) por Paulo Santos
Lima Viver
é sagrado... ao roteiro
Com trajetória relativamente
reconhecida no cenário norte-americano, de roteirista (Kids e Ken Park,
de Larry Clark) a letrista de música de cantora pop-cult (Björk), Harmony Korine
tem predileção pelo que está um tanto fora dos moldes padronizados (ok, hoje Björk
e suas músicas são um tanto parte do mainstream, mas não deixam de ser
uma presença meio, digamos, exótica); como nos mostram os outros filmes que ele
dirigiu, Julien Donkey-Boy e Gummo. Só que Korine, nessa estrada
em que anda, não foge de certos vícios dessa proximidade que tem com a margem
dos padrões – e nisso, sem sair do cinema americano, Gus Van Sant, Jim Jarmusch,
irmãos Farrelly, Wes Anderson e até mesmo Don Siegel são exemplos mais interessantes
(e nem um pouco contaminados com oportunismos sensacionalistas ou pretensões além
de dar espaço para seus personagens na tela, ou seja, dar a imagem deles ao mundo).
É nesse intuito de dar a imagem do mundo através de seus
personagens que Korine erra, pois para fazer isso ele terá de armar um roteiro
estruturado, com uma dramaturgia que serve de esqueleto, talvez por Korine não
achar que cenas e imagens, se bem feitas, sejam mais de meio caminho andado num
filme. Assim, Michael Jackson (Diego Luna, e citar o nome do ator ajuda a dimensionar
o “selo de qualidade” do projeto) fica caidinho pela Marilyn Monroe (Samantha
Morton), cujo marido, Charles Chaplin, lhe parece bem grotesco como homem. Michael,
assim como toda a horda que migrou para a comuna de imitadores onde ele se refugia,
quer poder exercer seu papel no mundo. Em outras palavras (ou em muitas, pois
muita coisa é dita aos borbotões no filme, como que para explicar direitinho o
que significa cada uma das coisas, seres e motivações), viver plenamente a vida. Os
melhores momentos vêm quando o filme não amarra as pontas, deixa a coisa rodar
solta, e isso acontece num outro núcleo que corre paralelo, em que um padre missionário
(Werner Herzog...!) faz um largo programa assistencialista (e inútil) na África,
com suas freirinhas vestais dando de comer e rezar às comunidades. A ironia aqui
é certeira, com um vigoroso (de tão pateticamente interpretado sob overacting)
diálogo entre o padre e um aldeão que chora caudalosamente pela mulher que o abandonou,
após descobrir que ele transou com várias. Ele a ama, mas o padre diz que ele
tem de seguir na linha, ou seja, demoniza-o para daí o salvar. Ainda
nesse núcleo, temos o melhor uso de som e imagem. Uma das freiras cai do avião
de onde lançam sacos de arroz para a pobreza lá debaixo. A queda é mostrada em
“tempo real”, câmera atenta à freirinha, som de vento, sem trilha (sim, sem a
corrente música dos filmes indies), até a mesma juntar as mãos e pedir
um milagre a Deus, que é realizado. Mais tarde, esse milagre virará um exercício
coletivo das freiras, comandadas pelo padre, e teremos variações, como o belo
plano de uma caindo, ao longe, agarrada numa bicicleta. Mais tarde ainda, saberemos
que o filme não necessariamente crê em Deus, mas acredita que a divindade e política-pragmática
são coisas distintas, fé espiritual e matéria. Por
mais que busque ser um “filme do bem”, Mister Lonely não escapa de certos
procedimentos no mínimo dúbios, como se aproveitar, via close colado nos rostos,
do rosto crispado de rugas de um punhado de velhinhos num asilo, arrancando deles
um suco ridículo-cômico, quando eles assistem, do jeito que seus corpos e senilidade
permitem, a performance de Michael Jackson. Ou a representação que o filme faz
do personagem Charles Chaplin: mais para Hitler – como diz sua esposa, mas mais
especificamente para o Hitler de Moloch, uma besta meio grotesco-animalesca,
com supercloses em suas unhas sendo cortadas, deixando a mulher torrar no som,
apossando-se de seu corpo como um algoz de um quadro de Goya. Deste mesmo Chaplin
bestializado, porém, há um momento dramático a ser especialmente retido, tirando
seu ar monstro e sua máscara-personagem graças ao uso de luzes de lanternas em
noturna (algo aplicado aos rostos dos outros também, apontando o que o filme faz
muito bem desde o início: aqui há seres humanos antes das máscaras). Harmony
Korine até defende visualmente o ser dessas pessoas, mas precisa deixar seu discurso
muito bem pautado, “politizado”, discursivo, e daí logo a história terá seu momentos
de virada e didatismo. Pois os seres de Korine (bem mostrados em boa parte do
tempo, sejamos justos) estão presos a um mundo que já existia fora da tela. A
relação entre autor e peraonagens é hierarquizada, de cima pra baixo, ou mesmo
utilitarista, em Korine – e não a de doação, como faz Gus Van Sant com seus filmes,
onde dá aos personagens um mundo (o da diegese) e os mostra como imagem para o
mundo, dando-lhes vida. Setembro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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