Moscou, Bélgica (Aanrijding in Moscou),
de Christophe Van Rompaey (Bélgica, 2008)
por Eduardo Valente

Mulher casada procura

Moscou, Bélgica abre e fecha com a mesma imagem: o rosto de uma mulher de quarenta e poucos anos que caminha, seguida pela câmera. O filme que se passa entre essas duas imagens lidará, obviamente, acima de tudo com esta personagem, a partir de algumas questões específicas: o que ela espera da vida? O que ela ainda seria capaz de conseguir dela? O quanto ela está disposta a sacrificar no caminho? Barbara Sarafian, a intérprete, é nada menos do que excepcional, dando vida à sua Matty com o corpo inteiro, literalmente – onde a cena de nudez total é das mais importantes para entender a maneira física como seus dilemas se concretizam. Ela permite que entendamos cada um dos momentos e nuances pelas quais sua personagem vai passando, sem precisar para isso de grandes discursos ou tiques de interpretação.

Não são exclusividade dela, porém, os momentos mais bem sucedidos do filme. Nesta sua estréia como diretor de longas, Van Rompaey mostra que sua carreira como diretor de elenco e seus curtas de terror ajudam bastante no processo de formação de seu olhar: além de contar com um elenco bastante homogêneo, ele decupa muito bem as cenas, tanto no ambiente apertado do apartamento da família (destaque para as cenas de refeição), quanto nos espaços abertos (o começo no estacionamento do supermercado, por exemplo). Fora isso, a partir de um argumento geral um tanto batido (mulher entrando nos quarenta anos é negligenciada pelo marido e redescobre o desejo com homem mais novo), ele e seus roteiristas permitem que, a partir do desenvolvimento gradativo e cheio de nuances de cada uma das figuras em cenas, o estabelecimento do drama vá se dando de maneira bastante engajadora e bem pouco simplista (exceção, por exemplo, à mulher mais nova do marido de Matty em suas aparições pelo celular).

Quer dizer, tudo isso vale até uma cena já no quarto final do filme, que quase consegue jogar tudo por água abaixo. A aparição repentina de personagens completamente fora do escopo do filme, para funcionarem como catalisadores de um drama, parece estranha do jogo a que nos dispúnhamos até então. Há, até por isso, um inegável sentimento de trapaça naquele momento, que vai permear todo o resto do filme, cuja resolução precisa forçosamente se dar a partir daí. Não é algo que apague de todo o respiro que Moscou, Bélgica consegue encontrar no meio de um gênero e formato tão batidos, mas certamente deixa um gosto levemente amargo na boca depois daquele que vinha se configurando como um pequeno doce bastante saboroso.

Outubro de 2008

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