Milagre
em St. Anna (Miracle in St. Anna), de Spike Lee (EUA,
2008) por Filipe Furtado Spike
Lee, produtor
Existe muito de potencialmente interessante
em Milagre em St. Anna – menos na idéia de correção histórica (já
que nele Spike Lee se propõe a fazer uma produção grande sobre a participação
dos negros na II Guerra) e mais de como o cineasta resolve enfocá-la: seus soldados
negros não realizam nenhuma grande operação heróica, apenas fazem hora numa vila
italiana esperando um resgate, enquanto uma série de interesses externos se movem
para colocar as tropas alemãs e a resistência italiana em confronto. Só que o
projeto todo parece pensado na contramão, num desencontro total entre cineasta
e material. Trata-se, afinal, de um filme de época, bem distante da Nova York
natal do cineasta, e este mergulho em território estrangeiro ajuda a reforçar
como o cinema de Lee depende da sua capacidade de sugerir uma textura e atmosfera
a partir das suas locações de nova-iorquinas. No
seu melhor, o cinema de Lee é sempre capaz de sugerir uma comunidade por trás
da ação. Pensemos, por exemplo, em como grande parte da diferença entre O Plano
Perfeito e um filme qualquer de contrato reside naqueles extras todos ao redor
do banco. Jogado em meio a Itália dos anos 40, Lee pouco pode fazer para reanimar
seu material. Pelo contrário, Milagre em St. Anna é um filme cego às potencialidades
das suas situações: incapaz de sugerir que existe vida por trás dos espaços e
situações em que seus soldados transitam, Lee piora as coisas ao freqüentemente
tentar se refugiar em soluções surradas do filme de gênero. A idéia provavelmente
era em determinados momentos colocar seus personagens em situações típicas de
filmes do gênero, mas Lee apenas consegue empurrar seu filme mais e mais na direção
da abstração. Muito
do mal que aflige Milagre em St. Anna reside aí. Se a graça do cinema
de Lee surge justamente da maneira como discursos, idéias e situações colidem
para gerar algo mais interessante do que eles seriam isolados, Milagre em St.
Anna é de uma clareza de propósitos muito pobre. Não há nada ali para além
da sua descrição – o que bastaria para muitos cineastas, mas Lee não é particularmente
claro e nem direto. Nas suas mãos, esta falta de percalços só ajudam a reforçar
o lado didático mais pesado do material. Sua abordagem múltipla se apresenta só
no campo narrativo, com diversos focos e interesses diferentes, que terminam por
resultarem só confusos. Quando Lee tenta complicar nossas reações ao material,
como quando apresenta em paralelo uma ação dos soldados búfalos com a rádio alemã
que tenta desmotivá-los com a apresentadora nazista caracterizada de forma mais
exagerada possível, tudo soa como um gesto por demais calculado, divorciado da
proposta do filme. Não mais que uma série de idéias pré-concebidas
antes da filmagem, se Milagre em St. Anna resulta em um fracasso completo
do cineasta, não deixa de ser um grande triunfo do produtor Spike Lee, cujo maior
mérito é o de ter conseguido realizá-lo. Cinema de produtor, um projeto que nunca
se transforma em filme. O Lee cineasta, infelizmente, este permanece ausente.
Milagre em St. Anna o coloca numa camisa de força, num triste espetáculo
de um filme que parece insistir em afunilar na direção que mais limita os talentos
do seu realizador – que, por vontade própria, conspira para levá-lo justamente
nesta direção. Abril de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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