Meteoro, de Diego de la Texera
(Brasil/Porto Rico/Venezuela, 2006)
por Leonardo Mecchi

Deitado eternamente em berço esplêndido

Mais do que uma fantasia sobre o que teria sido o Brasil se não tivesse havido a ditadura militar, Meteoro se coloca na realidade como uma radiografia do que deveria ter sido o Brasil desde seu início, não sofresse o povo a interferência de forças e poderes externos – numa mitologia que aproxima o brasileiro da predestinação bíblica do povo de Israel, com direito a diáspora em busca da terra prometida e tudo mais. Embora dirigido pelo olhar estrangeiro do porto-riquenho Diego de la Texera, é um filme que trabalha à perfeição o arquétipo idealizado do povo brasileiro. Seus personagens, longe de ostentarem individualidades próprias, representam um aglomerado de estereótipos identitários (o português, o argentino, o alemão, o negro, o índio, o turco, o japonês, o italiano e até o paulistano) que, como numa espécie de arca de Noé, será responsável pela perpetuação, durante o período da ditadura militar, do que seria o proto-brasileiro.

E o que seria esse “brasileiro puro” segundo de la Texera? Um povo predestinado à felicidade, capaz de construir uma sociedade utópica, de mistura pacífica e cordial de raças e credos, de libertinagem ingênua e inconseqüente, sem propriedade privada nem dinheiro, com muita música, fartura e sexo livre. Um povo feliz até na morte (caso do pesquisador italiano, que morre com um sorriso no rosto após realizar sua última fantasia) e cuja sensualidade e “joie de vivre” torna-o irresistítorna-se irresist cujasensualidade iano, que morre com um sorisso sde seu invel até mesmo para o estrangeiro mais racional (o operador de rádio alemão) ou ganancioso (o negociante turco).

Outros chavões comumente vinculados ao brasileiro, embora menos nobres, também encontram seu lugar neste painel implausível da brasilidade latente, como a eterna crença de que as soluções para seus problemas irão milagrosamente cair do céu. Entretanto, como em Meteoro não se trata de uma crítica a esses pré-conceitos ou características acopladas à imagem do povo brasileiro, mas sim uma idealização absorvida como realidade, as soluções efetivamente caem do céu. É assim com os mantimentos e pagamentos que são trazidos por avião quando a pequena comunidade ainda mantém algum contato com o mundo exterior, ou mesmo quando, deixados à própria sorte e incapazes de se estruturar em busca de sustento, vêem um oásis ser criado no deserto a partir da queda de um meteoro. Diante de tão estridente prova de que Deus é, efetivamente, brasileiro, só nos resta dançar nus em torno da fonte da vida, como povo naïf e abençoado que somos.

Como não podia deixar de ser, essa crença cega num primitivismo idealizado acaba por se imbricar na própria linguagem do filme, com conseqüências na maioria das vezes embaraçosas. A principal delas, comum a muitos filmes brasileiros que buscam por uma suposta facilidade de comunicação com o público, é a crença de que o cinema popular é uma fórmula, um gênero, e não uma conseqüência. Não se busca a constatação à posteriori da popularidade de um filme (a partir da reação e relação com seu público – não necessariamente vinculado aos números de bilheteria), mas sim uma concepção à priori do que levaria um filme a ser popular.

E o que seria esse “cinema popular” segundo Meteoro? Um cinema de mise-en-scène simplória, de resolução simplista dos conflitos, de personagens rasos e caricatos, com muitos números musicais e uma sexualidade de pornochanchada (“adoro quando me pegam por trás sem pedir licença”). Um filme de romantismo brega (“não sabemos o amor que temos até perdê-lo”), lições de moral (“vivíamos como a cigarra quando devíamos ter sido formigas”), filosofias de boteco e piadas de almanaque.

Mas é preciso também o choque da realidade, a denúncia que isente o filme da pecha de alienação. E o peso dessa realidade exterior chega a Meteoro como um OVNI, literalmente. Os militares chegam ao pequeno vilarejo em busca de sinais de subversão, e o que temos então é um desfile de atrocidades caricatas, próximas a um Batismo de Sangue. As semelhanças com o filme de Ratton se estendem também ao didatismo explícito, tanto nas cartelas iniciais quanto nas situações apresentadas. Assim, é preciso mostrar a personagem de Nova, vestida de verde e amarelo e caindo pela primeira vez do arame onde fazia seus malabarismos, para representar a queda do Brasil diante da ditadura, ou o líder daquela comunidade segurando uma cópia de “Pasárgada”, de Manuel Bandeira, para demonstrar a utopia daquele sonho.

Ao final, mesmo com a vitória diante dos militares, o sangue foi derramado, aquela terra foi maculada, e só resta ao grupo levantar acampamento e caminhar em busca de um novo lugar para hastear orgulhosamente a bandeira nacional. Num filme que se baseia inteiramente em clichês sobre o povo brasileiro, não podia faltar o último deles: a eterna impossibilidade de realização de seu glorioso destino. O Brasil continua sendo o país de um futuro que nunca chega.

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