O
Menino da Porteira, de Jeremias Moreira (Brasil, 2009) por
Francis Vogner dos Reis Talentoso
e antiquado
Um filme sertanejo como se fazia décadas
atrás, com pitorescos personagens interioranos, estouro de boiada, mocinha linda
e alienada, nenhum sucesso sertanejo contemporâneo, baseado em uma música que
foi hit há quase quarenta anos na voz de Sérgio Reis (este também o peão-herói
do filme na primeira versão). Não por acaso, assim como o original de 1976 (do
mesmo diretor), este remake se passa na década de cinqüenta – o que não
deixa de ser uma afirmação de que este tipo de filme pertence ao passado e não
há como torná-lo contemporâneo, no sentido de revitalização do gênero. Por isso,
o que mais chama a atenção em O Menino da Porteira é o quanto ele é antiquado.
Em certo aspecto esta é mesmo sua principal qualidade, porque
ele parece fruto de uma época, e de uma cabeça, que não leva muito em conta o
quanto a televisão teve o monopólio nas últimas décadas da imagem do Brasil caipira.
Tanto nas interpretações, quanto nos cenários, na trilha sonora e nos figurinos,
tudo parece muito ancorado a um conceito bem definido, em que nenhum desses elementos
chama a atenção para si mesmo, seja em sua beleza, seja em sua modéstia. Jeremias
Moreira encontrou a justa medida, algo raro, já que não há mais costume em fazer
filmes do gênero e mesmo assim as imagens não se parecem com publicidade (o estilo
“Gente que faz”, o mal em Dois Filhos de Francisco, por exemplo) e nem
com novela. Por
outro lado, O Menino da Porteira parece atrelado a certas exigências que
também são antiquadas, mas que conspiram contra, e a maior parte delas é ligada
ao herói. Sua relação com a mocinha é uma exigência. Ela é uma donzela (que ele
tem de seduzir) que, mesmo sendo filha do vilão e professorinha da escola rural,
não faz diferença alguma, como se nenhum desses elementos tivesse peso na história.
O garoto é um “moleque travesso” e, apesar de ter um papel aparentemente importante
(afinal, ele é o “menino da porteira” que pede “para o seu moço tocar o berrante”),
é quase que uma mera ilustração, uma imagem idealizada do interior do sudeste
brasileiro. Esse é um dado interessante porque na própria música em que o filme
se baseia, essa mesma figura do garotinho é ligada ao que há de mais amargo e
fatal no acaso. Apesar de não haver exigência alguma que o filme seja fiel à canção
(e não é, de modo geral), é interessante notar como na versão cinematográfica
o garoto é só azarado, bonitinho e meio chato. É importante
dizer: esses elementos anacrônicos são uma fração do filme, importante é óbvio,
mas que não comprometem o projeto todo, que tem uma força rara. Se a mocinha e
o menino são frágeis demais em todos os sentidos, o conflito do fazendeiro Zé
de Abreu (em uma performance formidável) com os sitiantes é especial, porque construído
de modo progressivo e com tanto cuidado em seu maniqueísmo explícito que gera
belos momentos de cinema como nas cenas em que incendeiam a casa de um dos criadores
de gado, e, sobretudo, no encontro na estrada entre a família do líder dos sitiantes
com o fazendeiro: uma bela contraposição de planos que potencializam a dramaticidade
da cena, porque a cada mudança de ponto de vista, há uma evolução na ameaça do
fazendeiro e o pavor aumenta progressivamente no rosto do sitiante ameaçado. Coisa
de diretor-artesão que entende do ofício. O herói Daniel
(além de ter feito o favor de não cantar os sucessos de seu repertório e sim alguns
clássicos) está bem, assim como os coadjuvantes têm lá a sua graça que faz coro
com a porção positivamente antiquada do filme. As cenas de boiada são muito bem
realizadas e, antes de contextualizar ou servir de ilustração, conspiram – junto
com a bela direção musical de Nelson Ayres – para extrair uma atmosfera poética
da junção homem e natureza que não deixa dever a alguns belos momentos dessa “comunhão”
filmados por Humberto Mauro. É antes o interesse pela beleza natural dessas coisas
do que pela possibilidade da câmera (e do cineasta) em criar assinatura em cima
da beleza. É admirável. Abril de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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