Marock (idem), de Laila Marrakchi
(Marrocos/França, 2005) por Fábio
Andrade
O cinema acima dos temasÉ curioso fazer
uma mínima pesquisa acerca de Marock e perceber que, com raríssimas exceções,
destaca-se no filme a relação entre uma jovem muçulmana e um rapaz judeu. Curioso,
pois a necessidade de inflar o longa de estréia de Laila Marrakchi com um grande
tema acaba por reduzir o olhar mais interessa(do)nte e original que, na verdade,
sustenta o filme. Afinal, se a relação de fato está ali, ela é apenas uma fração
ínfima dentro de um exercício de observação e ambientação mais amplo que fazem
de Marock um filme insular. Partindo da acertada
segurança de pôr em movimento uma carreira filmando o que melhor se conhece, a
jovem realizadora marroquina foca seu interesse na vida dos jovens de classe alta
em Casablanca. A originalidade do olhar de Laila salta nesse simples recorte,
contradizendo a necessidade do grande tema que tantos teimam reivindicar, mas,
com isso, nos apresentando um pedaço do país que estamos pouco acostumados a ver.
O namorado judeu é apenas uma das questões que acompanhamos na vida de Rita (Morjana
Alaoui), jovem de família abastada que vive uma relação extremamente ambígua com
o mundo que a cerca. Na
verdade, ambigüidade talvez seja a palavra-chave para nos aproximarmos dos jovens
de Marock: eles oscilam entre a fé e a descrença, entre a subversão e a
tradição, entre as boates e os mercados populares, entre as canções locais e o
rock, entre a vontade de ficar e o desejo de descobrir os mundos do além-mar,
entre a liberdade do sexo e das drogas e a castração de um convívio social. A
idéia de Laila é apenas escolher algumas vidas e observá-las em um momento de
necessária transformação, um momento em que elas tenham que fazer escolhas. Esse
momento é a passagem da escola para a universidade mas, pensado mais amplamente,
também a passagem da adolescência para a vida adulta, de Casablanca para Paris,
do convívio diário com a tradição para um ambiente onde essas tradições aparecerão
apenas internalizadas. O
grande acerto de Marock é não enxertar, nesse recorte, gorduras desnecessárias
de dramaturgia, mas sim acreditar que a observação daquelas vidas já é suficientemente
digna de interesse. As questões naturalmente vão tomando a tela, e isso é muito
mais revelador sobre aquele universo do que uma abordagem sociológica mais tradicional
poderia ser. As barreiras sociais se sobrepõem à medida que o convívio é necessário:
temos as personagens que falam francês e as que se comunicam em árabe; aqueles
que, segundo eles, têm “mais cara de marroquino”, e os que passariam por europeus;
os que têm condição de estudar no exterior, e os que, apesar de conviverem com
os jovens de classe alta, permanecerão em Casablanca. Além
desse olhar extremamente interessado, o discreto domínio de mise-en-scène
de Laila se mostra preciso justamente na relação com o espaço: apesar de ser a
maior cidade marroquina, a concentração do olhar faz Casablanca parecer um bairro.
A relação de personagens em expansão com esse espaço é reveladora, e não à toa
o filme termina no aeroporto. Em vez de indicar um abandono, a relação conflituosa
com a idéia de lar, de terra-natal, aproxima Laila Marrakchi do poeta canadense
Alden Nowlan, com sua necessidade de falar sobre “aqueles que não pertencem a
lugar algum, ou que pertencem demais a um lugar para pertencer a qualquer outro”. Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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