A Festa de Margarette, de Renato Falcão
(Brasil, 2006)
por Felipe Bragança
Fábula como desvio do
natural
Drama social circense de traços chaplinianos,
A Festa de Margarete surpreende quem vê na opção do filme
pela estética do cinema mudo dos anos 20 apenas uma homenagem
arqueológica aos primórdios da sétima arte. A consciência com
que a opção pelo silêncio, pelos gestos que mais imitam do que
reproduzem a vida, pela narrativa de peripécias físicas e iconografia
direta é tratada pelo diretor e pelo elenco, desenha uma coragem
de projeto rara na cinematografia brasileira contemporânea. Ainda
mais num filme feito sem nenhuma forma de patrocínio – o que nos
dá uma raridade que é a abertura de um filme brasileiro sem um
espetáculo de logotipos.
O filme flutua entre as possibilidades da graça
da pantomima e o surrealismo dessa estética implantada a traços
contemporâneos (clichês da violência, do desemprego, da miséria,
do luxo), buscando um efeito de estranhamento que, se lhe dá uma
irregularidade de estatuto imagético e de fruição, também lhe
permite seu mistério, sua graça. Tal proposta (de mão carregada
em algumas cenas, melhor resolvida em outras) gera um efeito de
empatia e confusão que talvez não seja o traço de um cinema realizado
com total controle de seu artesanato, mas sem dúvida demonstra
vigor em seu esforço.
Mesmo optando por desfecho pessimista com ares
marcados de parábola social, o filme consegue a manutenção de
um olhar vivo, terno e alegre sobre seus personagens, buscando
nele as potências de vida mais do que as misérias comportamentais.
Essa graça, essa coragem com que os personagens levam adiante
os desafios de manutenção de suas vidas e os desejos da celebração
contraposta às suas impossibilidades, lembra em entrelinhas o
casamento idealizado do personagem de Guarnieri em O Grande
Momento, de Roberto Santos (filme acusado na época de “não
se resolver entre o neo-realismo e a chanchada”). Uma graça de
ir a fundo na força dos personagens e nos malabarismos do elenco,
criando o choque entre um melodrama social e um cinema de exploração
do artifício físico, que aparece hoje especialmente interessante
no panorama de um cinema brasileiro onde a opção da narratividade
tem se dado, entre as variações de um sub-naturalismo burguês
e de um realismo festivo-tipo-exportação.
A Festa de Margarette, ainda que não nos
leve a nenhum desdobramento especial de imagética ou a um brilhantismo
de abordagem dramatúrgica, aparece como uma fábula precisa nesses
tempos de preguiça conceitual e letargia de linguagem no Brasil:
o cinema (sempre) pode mais.
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