Mamonas Pra Sempre, de Cláudio Khans (Brasil, 2010)
por Thiago Brito

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A se ver pelo resultado de boa parte dos documentários brasileiros realizados a partir de artistas consagrados, tais como Vinícius, Maria Bethânia - Pedrinha de Aruanda ou mesmo Nélida Piñon - Mapa dos Afetos, existe um posicionamento claro por parte de cada realizador: ele não tem dúvidas sobre a importância do artista em foco. Através do registro documental se empreende então um trabalho que visa quase que somente espelhar a grandeza absoluta de todos estes artistas - uma grandeza que aparentemente não possui história, que se espraia para além de qualquer contrato social mais imediato e que se exprime na máxima de que a grandeza, a força e a importância de um artista é perene e precisa ser redescoberta, já que o Brasil é o país da amnésia. Pega-se, portanto, um artista consagrado e faz-se, novamente, uma coroação, atinge-se a monumentalidade. Se quando o assunto é Vinícius de Moraes, Maria Bethânia e companhia, este trabalho não é dos mais complicados (tem-se uma certa noção do que eles significam e todo o esforço vai na busca de sua atualização, da renovação de um olhar sobre sua trajetória), sendo o Mamonas Assassinas o seu objeto, o projeto pode ser bem mais complicado e terrivelmente arriscado.

MamonasMesmo assim, em Mamonas pra Sempre existe um esforço contínuo por parte do filme em legitimar artisticamente os Mamonas Assassinas. Nesse esforço, busca-se monumentalizar, tornar compreensível e escrutinizado o que se tinha passado de forma abrupta e espontânea. Deve-se, forçosamente, compreender que aquilo não era brincadeira, que aqueles rapazes eram artistas e que, por trás de tudo aquilo, existia um pensamento, uma expressão, e que eles devem ser respeitados exatamente por isso. Contra toda lógica, existe um problema nesta proposição. Mamonas pra Sempre parte deste pressuposto: de que os Mamonas Assassinas nunca foram de fato reconhecidos, de que sua arte sofreu do bom e velho conservadorismo brasileiro de torcer o nariz no minuto que um artista emplaca uma obra de vasta aceitação de público. Ser isto verdade ou não, pouco importa. O que de fato é interessante é o documentário escorar-se quase que exclusivamente nesta suposição, e se lançar ao trabalho de esclarecer nossos erros pregressos e transformar aqueles artistas em um signo de referência quase catedrático. Narrado de forma cronológica, culminando no grande desabafo do cantor Dinho, o documentário tenta, com todas as forças, dar uma forma definitiva (ou quase) a o que de fato foi o fenômeno dos Mamonas Assassinas.

MamonasE os garotos de Guarulhos conseguiram mais uma vez ludibriar toda definição. A instantaneidade de sua trajetória nos impede de realmente entrar em contato com uma visão clara de suas intenções - a todo minuto são brincadeiras que não cessam, mudanças e desconcertos que fogem quase que completamente de uma definição mais clara do que de fato buscavam. Se aquilo era arte ou não, parecia pouco importar aos Mamonas Assassinas, cujo sonho se via escorado muito mais na vontade de viverem como músicos do que de se tornarem artistas que seriam levados a sério, respeitados. Se o público os queria, se todos compravam os discos e cantavam a altos brados as canções, então o restante não importava. Acabar com Utopia e virar Mamonas Assassinas é menos uma mudança artística deliberada do que um feliz acaso abraçado com toda a coragem.

Assim, o desabafo de Dinho serve menos às intenções sacralizantes do documentário - de fato, a imagem não corresponde ao clímax narrativo esperado, servindo ainda mais para abrir um certo abismo na estrutura do filme - do que a um atestado de que a arte dos Mamonas Assassinas não estava inscrita em uma noção clássica do que é ser um artista, ou mesmo das intenções "puras" do artista. Seu sonho era estar lá, no palco, ter sua música cantada por todos, poder viver daquilo que fazia e gostava. A confirmação de seu sucesso vem da presença de seu público, e não de resenhas críticas. Daí, dizer que a músicas eram de fato "boas", de que eram "bons músicos", de que eram "criativos" e "diferentes", acaba sendo um tiro no pé que expressa cabalmente um tipo de pensamento conservador e conformizante que, isto sim, o documentário consegue mostrar ainda existir no pensamento brasileiro contemporâneo. Se a estratégia é realmente utilizar o documentário como forma de aceitação, reconhecimento, ou algo que o valha, compreende-se cada vez mais a ausência quase que unânime de filmes sobre novos artistas brasileiros, aqueles que estão produzindo agora. A unanimidade é sempre insidiosa.

Julho de 2011

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