Malu de Bicicleta, de Flavio Tambellini (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado

Imagem dopada

Malu de Bicicleta é um contra-senso. Trata-se de um filme de dissolução: homem mulherengo conhece mulher, corrige seus hábitos e com o tempo passa a ser consumido pela dúvida, vai de predador à vitimizado, se não vítima de fato. Se não há nada de novo na proposta, também não restam dúvidas que existe um filme ali. Só que tudo em Malu de Bicicleta existe para apaziguar o golpe. Este processo todo não poderia ser filmado de forma mais limpa por Flavio Tambellini. Nada do que existe com força no material parece interessar de verdade a Malu de Bicicleta, o olhar do filme permanece imutável no primeiro e no último plano, todo o processo que o protagonista transpassa é nas mãos de seu diretor pouco mais que uma pequena dor de cabeça, material para uma anedota rápida de mesa de bar.

Sejamos claros: a questão nem de longe é Malu de Bicicleta se querer um filme acessível, o que poderia ser-lo sem nenhum dano ao processo que descrevemos. Há muitos filmes acessíveis que não deixam de ser diretos e honestos diante de um drama como este, mesmo que lhe recheiem de distrações e piscadelas junto ao espectador. A questão é de olhar. Malu de Bicicleta é o filme mais anódino sobre neurose possível. Cada plano, cada inflexão dos atores, cada escolha realizada por Flavio Tambellini existe sobretudo para apaziguar seu filme, quase como se o cineasta fosse o psicanalista que, um minuto após começar a ouvir os problemas do paciente, já começa a dopá-lo com remédios. Malu de Bicicleta parece envergonhado de si mesmo, seja no drama comedido em excesso, seja na comédia sempre velada em excesso. Uma comédia prevista no sexo e na neurose que no fundo parece pedir desculpas por ambas.  

Tudo isto é uma pena já que Flavio Tambellini revela aqui um avanço considerável em relação a Bufo & Spalanzani e O Passageiro, conduzindo o filme com uma segurança que seus trabalhos anteriores não demonstravam. Pena que este novo domínio esconda pouco mais que esta imagem dopada. Há uma curiosa semelhança entre o processo do protagonista e a imagem do filme; ambos são drenados rumo ao nada (um dos elementos mais interessantes do texto, e que o filme ignora, é que esta dissolução começa quando o personagem se apaixona, e não somente quando ele é consumido pelo ciúme). O tom anódino de Malu de Bicicleta por fim faz pela comédia à Truffaut - e poucas coisas são piores do que uma influência de Truffaut mal digerida – algo similar ao que Bufo & Spalanzani fazia pela literatura policial. Mas talvez seja um erro acusar Malu de Bicicleta de ser um contra-senso, já que seu projeto aos poucos sugere um outro tipo de coerência autoral. O ciclo se completa, Tambellini pode demonstrar um controle maior sobre seu filme, mas seu olhar segue imutável: seu cinema busca sim uma diluição até uma imagem em branco que não representa nada.

Outubro de 2010

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