Loki - Arnaldo Baptista,
de Paulo Henrique Fontenelle (Brasil, 2008)
por Fábio Andrade

Discreta admiração

De carreira mais constante como diretor de programas do Canal Brasil do que como realizador de cinema (embora seu curta Mauro Shampoo tenha sido premiado pelo público de Tiradentes, em 2007), Paulo Henrique Fontenelle usa, em Loki, toda a transparência de linguagem consolidada por anos de massivo telejornalismo. Com isso, o filme dispara, logo em seus primeiros minutos, aquele embolorado conflito entre a maneira de se documentar e o centro de interesse desse documentário. Afinal, de todas as personagens possíveis e imagináveis, Arnaldo Baptista estaria, seguramente, entre as que menos suscitaria uma abordagem tão convencional para a sua história. Pois, de louco, Loki não tem nada; estamos diante de um discurso que, embora fragmentado pelas diversas falas, raramente põe em contradição uma lógica que o norteia, reduzindo as falas originais em uma organização que praticamente anula as particularidades de quem as articula. Há, no filme, esse desejo de se traçar a história; de esvaziar os rostos e a interpessoalidade de cada uma daquelas relações com um status de onisciência, de distância narrativa.

É preciso, porém, se ater às particularidades do filme antes de reagir às superfícies genéricas das escolhas do realizador. Em primeiro lugar, por Fontenelle lidar com uma história que guarda poucas surpresas. Os grandes ápices dramáticos da trajetória de Arnaldo Baptista (a relação com Rita Lee; o acidente que quase lhe custou a vida; o reconhecimento internacional; os anos de silêncio que o separaram do irmão, Sérgio Dias) são tão familiares àqueles que acompanham minimanente a história da música (a rigor, o público que mais provavelmente assistirá ao filme) que a transparência buscada por Fontenelle na construção desse discurso ressalta entrelinhas silenciosas, mas extremamente eloquentes – como o fantasma de Rita Lee, ausente como depoente, mas presente nas imagens de arquivo e na vida subsequente de Arnaldo Baptista, seja pelas pinturas em que trabalha, ou pela aproximação física aparentemente buscada por sua atual mulher.

Mas em segundo lugar, e mais importante, por essa estrutura – mofada e maltratada por décadas de abuso – ganhar misteriosos sopros de vida que não vêm da manipulação de suas armações, mas sim da força do material captado por Fontenelle. Por isso, a resistência inicial à convencionalidade da abordagem é facilmente transposta pelo sopro de presente que toma o quarto final do filme – em especial a turnê de reunião, marcada no filme com shows em Londres e em São Paulo. Loki ganha, aí, uma força bastante intensa, pois parece registrar a concretização de seu próprio desejo: rememorar a história de Arnaldo e os Mutantes, sem nunca esquecer que essa história continua viva, ativa e presente. Se torna, aí, uma comemoração. A loucura genial e extraordinária de Arnaldo Baptista parece se sobrepor ao filme, e a Paulo Henrique Fontenelle cabem os méritos de não ter tentando reproduzi-la, induzi-la ou anulá-la; mas sim confiar que a força do artista e de sua história seriam, de fato, maiores que o filme. Mais do que isso, que ela seria o filme – algo que Loki comprova, construindo momentos bastante emocionantes, com uma discreta, mas apaixonada admiração.

Janeiro de 2009

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