Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, João Jardim e
Karen Harley (Brasil, 2010)

por Paulo Santos Lima

Fazer o bem, sentir-se bem

Em inúmeros espaços do cinema brasileiro atual, é bem encaixado um certo tipo de filme “do bem”, preocupado com as úlceras sociais do país. É tornar o apelo de público (assunto controverso, às vezes visto como algo deletério, mal-intencionado) uma causa justa. É, também, cumprir uma cota – a da cidadania, a das ONGs etc. É dentro desse raciocínio que nos deparamos com Lixo Extraordinário. Neste documentário, quase em 1ª pessoa, quase (meu caro) diário, o artista plástico Vik Muniz dá de volta aquilo que pegou emprestado. Artista de renome internacional, nascido numa apertadíssima família classe média em bairro periférico paulistano, Muniz sentiu-se, no topo de sua fama e reputação sitiados em Nova York e entre passeios nos grandes centros, de Londres a Berlim, na vontade de ajudar os catadores de lixo (material reciclável, como eles mesmos exigem ser chamados) do Jardim Gramacho, o maior aterro da América Latina, situado em Duque de Caxias (RJ). Ele vai a campo, interage com alguns ilustres – a velha “síndrome Moacir, Arte Bruta”: sempre os ilustres, sempre aqueles que possuem alguma qualidade, algum conhecimento ou sabedoria, modo contrário não ganham espaço na tela.

Da mesma forma que o cheiro, o lixo me parece algo infilmável. Ele sempre carregará uma qualidade estética mesmo quando significa algo ruim, sujo. Vindo de um artista que faz (um grande e sério) trabalho no qual utiliza tudo que jogamos fora, parece fazer todo o sentido as tomadas mostrando as montanhas de lixo, trilha tocando, e ele ali como um astronauta em Marte. Essa é a questão: desde o início, Muniz alardeia sua vontade, conversa com um amigo que lhe diz, pelo skype, sobre os perigos da região, Vik dizendo a ele e a nós que vai encarar a empreitada, se coloca bastante presente na cena, não abdica do “eu”. Por um lado, é um baita traço de transparência e franqueza (Vik é um cara bacana, nada a ver com um canalha, e, mesmo às vezes sem noção, acredita muito em seu gesto). Mas por outro, o tratamento que o filme (os diretores e ele, que é “personagem-autor” da fita) dá ao material (humano, vale ressaltar) é bastante discutível.

No meio do processo, o próprio artista se questiona, mas haverá um momento-família para dizer quem ele é. Mesmo com os catadores coletando material que eles próprios utilizarão e assinarão suas obras de arte, é Vik Muniz o regente – ou o capataz. O leilão é só a confirmação concreta do gesto. Por mais que os ilustres trabalhadores tenham grande senso crítico e tenham saído “maiores” da experiência proporcionada por Vik Muniz, é uma situação que, em síntese, exibe Vik Muniz dando esmola aos menos favorecidos. E, como diz o ditado sobre a esmola sempre ajudar mais a quem dá e menos a quem recebe, o artista chamará todos os holofotes (a tela de cinema) para ele. No recente Festival de Paulínia, e ste Lixo Extraordinário foi o filme mais aplaudido - de pé, inclusive. Num mundo tão ardiloso, selvagem, brutal, desmoronado, as pessoas se emocionam quando assistem a um gesto bem intencionado.

Julho de 2010

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