plantão do YouTube Um
dia no campo por Diego Assunção
The
Running, Jumping & Standing Still Film (de Richard Lester e Peter Sellers,
1959)Antes
de Richard Lester (foto ao lado) se encontrar com os Beatles para dirigir A
Hard Day’s Night e Help, e antes de Peter Sellers se tornar o inspetor
Clouseau na cine-série A Pantera Cor de Rosa, os dois se reuniram para
fazer um curta-metragem. O norte-americano Lester assinava como Dick Lester e
havia apenas dirigido alguns episódios para séries de TV, enquanto o inglês Sellers
começava a despontar como comediante na Inglaterra, tendo inclusive realizado
alguns filmes importantes, como O Quinteto da Morte, de Alexander Mackendrick.
O curta que a dupla realizou atende pelo nome de The Running, Jumping &
Standing Still Film, e não poderia haver título melhor para definir uma comédia
que é toda construída por um encadeamento alucinado de gags visuais, de
um humor que presta tributo ao cinema de pioneiros como Mack Sennett. Um cinema
que parecia ser movido apenas pelo desejo de carregar uma trupe em um caminhão,
escolher uma paisagem e fazer uma algazarra em frente a uma câmera. A
paisagem selecionada foi um idílico campo, lugar ideal para um acampamento de
casal, tirar fotos e praticar tiro ao alvo, mas também o terreno onde o humor
pode ser introduzido sem amarras, expressar-se plenamente. A cada saída de uma
piada visual entramos em outra ainda mais absurda: uma “empregada” que lava a
grama como se estivesse lavando o piso de alguma casa é a primeira intervenção
cômica do filme, seguida por uma não menos absurda entrada de um personagem que
estira um tapete antes de pisar na grama limpa pela “empregada”. A banda sonora
é uma mistura de sons da natureza que emana daquele ambiente idílico com inserções
de instrumentais de sopros jazzísticos. O encadeamento sonoro produz uma confusão:
os sons dos assobios dos pássaros parecem ser incorporados como solos jazzísticos,
enquanto os instrumentos musicais produzem uma harmoniosa melodia que remete aos
assobios dos pássaros. As
imagens que desfilam pelo filme, aliadas aos sons produzidos, acabam por inscrevê-lo
como uma das mais instigantes manifestações daquilo que um dia se chamou de cinema
moderno. Por mais que recorra às características dos primórdios do cinema – a
predominância do plano geral e a abolição de uma montagem clássica narrativa –,
o curta tem consciência de que, em 1959 (após duas guerras mundiais e com a chegada
da televisão e rádio), talvez o cinema já tivesse perdido parte de sua pureza.
Sendo assim, é pelo impuro que Richard Lester parece querer reacender a chama
do cinema: o tronco de uma árvore cortada serve de vitrola para um homem tocar
um disco; uma mulher serve de maquina fotográfica para que o fotógrafo engane
o acompanhante dela e a beije; o fotógrafo tenta revelar o filme de sua máquina
nas águas de um riacho em plena luz do sol; e a câmera cinematográfica é utilizada
como um aparato para atrair um idiota que será esbofeteado por aquele que conduz
o aparelho... Talvez fosse um filme parecido com esse que
Jean-Luc Godard realizaria caso optasse por fazer sua versão para o Um Dia
no Campo de Jean Renoir ao invés de se arriscar a “homenagear” os musicais
da Metro com Uma Mulher é uma Mulher. The Running, Jumping & Standing
Still Film é uma obra consciente de que um período muito fértil já passou
e que, para continuar, seria necessário utilizar essa consciência como matéria-prima.
O cinema moderno é meio como o esportista deslocado que aparece no filme: um “cara”
que, mesmo fora de seu habitat, explora um novo terreno para perpetuar velhos
hábitos, atividades. O cinema moderno é o cinema pioneiro
que faz uso de novos valores para atingir velhos objetivos: olhar por um visor
(a imagem que abre o curta) e ver o absurdo que se manifesta no mundo. O filme
de Lester e Sellers nos mostra como fazer de um terreno primitivo (um campo) o
espaço para acomodar uma série de procedimentos característicos de um mundo moderno
e civilizado (a imagem de uma velha lavando as gramas como se fossem piso é a
imagem olhada através do visor pelo personagem “observador”).
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