Lemming - Instinto Animal (Lemming),
de Dominik Moll (França, 2005)
por Paulo Santos Lima
Frágil equilíbrio sobre sólidas
fundações
Dominik Moll não é um cineasta invulgar, e a prova
pode ser encontrada quando "fatiamos" Lemming – Instinto
Animal: surgem seqüências bem decupadas, com pleno domínio
de tempo dos planos e enquadramentos rigorosos. Lemming
seria um magnífico curta, por exemplo, tomados apenas seus 10,
15 minutos iniciais. Mas, no conjunto, querendo agregar vários
temas e alguns estilos de cinema alheios, ele pisa na casca da
banana. Trata-se de um cineasta que trabalha com um tipo de cinema
que pede trama, mas que nos seus desvarios acaba sabotando-a,
poluindo-a com inúmeros elementos, e banalizando os momentos onde
sua habilidade como cineasta se faz vultosa. Um construtor que
soergue, sob sólidas fundações, uma arquitetura que beira o estrambótico.
Mas é inegável que há fundações.
Temos, por exemplo, na primeira seqüência, uma pequena câmera
aérea criada por Alain Getty (Laurent Lucas), que serve para checar
defeitos domésticos. Trata-se de um mcguffin que dialoga
muito mais com o caos do filme do que com a trama em si, já que
esta engenhoca é um ET numa obra que, sendo um suspense dramático
francês, pediria uma abordagem mais “naturalista”, menos espetaculosa
- impossível de acolher esse treco gerado por efeito digital (pelo
menos segundo a bula do clichê do que venha a ser cinema “de arte”).
Mas o melhor vem a seguir, quando o filme parte para o bairro-modelo
desértico (O Eclipse de Antonioni?) onde está o novo lar
do “casal perfeito” formado por Alain e sua belíssima Bénédicte
(Charlotte Gainsbourg). Templo da ordem, do pleno funcionamento
e monitoramento de tudo: um mundo em eterna vigilância contra
a falha, defeito, imperfeição e, mais que tudo, contra a falta
de coerência. Moll usa bem o branco e a cenografia clean
neste espaço.
Logo, porém, é o cinema que se revelará
a grande corda bamba de Lemming, pois Moll faz mais um
exercício de cinemas do que de cinema. Uma cinefilia multi-angular,
que até pretende criar um estilo único de imagem para enfeixar
o conjunto (marcado pelo rigor, sobretudo), mas que resulta mesmo
numa reunião bastante Frankenstein de vários procedimentos
– partindo do mcguffin hitchcockiano, passando pela mordacidade
hanekeana que metralha o tal projeto burguês da felicidade
insuspeita para, então, chegar a um final que lembra, bem de longe,
a ironia de Ozon. Bastaria um elemento saliente na trama (ou na
imagem) como ponto de partida para o suspense, diria o cinema
de Hitchcock - até dois, de repente. Mas Lemming trabalha
com um punhado deles, diluindo a alavanca narrativa, sobretudo
quando perde tempo imputando uma aura simbólica a alguns deles
– como o tal lemingue do título, animal que entope o cano
da cozinha dos sonhos, que representaria a fragilidade da rotina
comportada e idealizada do jovem casal, e que o roteiro de Moll
ainda vai querer relacionar a um suicídio que acontecerá mais
para frente. Logo mais, sem qualquer freio, é trazida à trama
a esposa do chefe de Alain (Charlotte Rampling, com toda a responsabilidade
de legitimar este como um “filme de qualidade artística”) para
servir de gatilho para levar trama a novos caminhos – a maior
parte deles arriscados, ao coquetelar filme de mistério com drama
familiar, suspense fantasmagórico e psicológico.
Dominik Moll talvez pense antes o cinema como
portfólio do que como linguagem: um desfile de temas e truques
que, na apoteose, fazem de Lemming um filme que não se
faz pela permanência, mas sim pelos momentos descosturados. Nesse
caso, se um bom filme se faz pela premência de suas imagens, os
rostos de Laurent Lucas e de Charlotte Gainsbourg (corpo também)
são os itens memoráveis deste Lemming. Imagens autônomas.
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