Leite
e Ferro, de Claudia Priscilla (São
Paulo, 2010)
por Paulo Santos Lima
Por
trás das grades
A forma, qual estilo utilizar, como se sabe, é
a escolha suprema do cineasta, e por isso, talvez, por cuidado
ou preocupação autoral artística, haja uma certa dispersão em
boa parte de Leite e Ferro, filme que trata do drama das
mães presidiárias com seus bebês no CAHMP (Centro de Atendimento
Hospitalar à Mulher Grávida) - quando as mesmas ficam com seus
filhos por quatro meses, numa situação menos dura que a clausura
presidiária. Deixar a câmera atrás de grades para filmar o que
há do outro lado delas, remetendo sobre a prisão, por exemplo,
é um recurso que se faz um tanto formalista demais em sua geometria
física como redundante para enfatizar a situação das mães e seus
pequeninos. Não estamos num filme-denúncia, nem sobre o sistema;
estamos num filme intimista. Daí a esquisitice das grades, da
ênfase também em se filmar chão e corredores sujos etc.
Outro problema é que, uma vez que o foco do filme está em mais
de uma mãe, utilizar uma “mestre de cerimônia”, como é a performática
Deluana, parece uma necessidade supérflua – e que resulta num
desfoco bastante perigoso ao filme. Idem as mulheres, que contam
um tanto demais sobre suas vidas (a imersão nas drogas, a dura
vida do crime). Isso importa às mulheres, mais do que às mães.
Talvez importe também à performance e apelo do filme: seus relatos
são deliciosos, divertidos, bastante iluminadores pelo modo leve
com o qual elas encaram seus descaminhos. Mas o que é bom isoladamente
como assunto e forma, cria rachaduras ao conjunto, àquilo que
seria um filme sobre mães presidiárias e seus filhos. Por outro
lado, Claudia Priscilla evita o drama, o que é um drible e tanto,
já que a situação de muitas daquelas mulheres será o de continuarem
presas e não conviverem com (ou até não verem) seus filhos por
longo tempo.
O terço final é especialmente feliz como cinema, quando o filme
finalmente encontra a medida certa, o foco, e, mesmo ainda entre
alguns planos de grades, temos imagens que retêm essas mulheres
e seus bebezinhos. É, também, um grande momento dos documentários:
quando cineasta e objeto encontram-se. Um suposto encantamento
da diretora com o universo (o que não seria errado, tampouco incomum)
acaba garantindo, inclusive, uma aproximação bacana, de respeito
e de igual para igual, que não expõe as mães e nem seus nenéns,
tampouco os delega a um sensacionalista papel de vítimas do mundo
etc. Apesar da grade, do encantamento com o universo marginal
dessas mulheres, Leite e Ferro parece reconhecer quem está
filmando. Isso não é pouco.
Julho de 2010
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