in loco - cobertura dos festivais
O Último Trem para Casa (Last
Train Home),
de Lixin Fan (China/Canadá/Reino Unido, 2009)
por Fábio Andrade
Viagem
incerta
O Último Trem para Casa tem uma proposta potencialmente
interessante: acompanhar os trabalhadores chineses em uma longa
viagem de trem (cerca de 50 horas) até sua cidade natal,
para as comemorações do Ano Novo Chinês. Mas
em poucos minutos de filme, vemos o quanto essa sinopse se revela
apenas acessória. Na verdade, a viagem de trem é
apenas um dos acontecimentos (e não é sequer o clímax)
da vida da família que protagoniza o filme, e que Lixin
Fan acompanhará tanto na privacidade do lar quanto no trabalho.
Surge, com isso, uma possibilidade de arco interessante, mas que
o filme negligencia: a observação cotidiana do trabalho
como o ordinário que antecede o extraordinário (a
viagem de trem e o reencontro com a família) e que, dessa
maneira, lhe confere sentido. A viagem, portanto, carregaria o
peso da separação vivenciada até aquele momento
- um pouco como na segunda parte de Além dos Trilhos,
de Wang Bing.
Não é, porém, questão de se lamentar
o que o filme deixou de ser, mas sim o que ele é, de fato.
Pois O Último Trem para Casa parece perceber uma
série de possibilidades de montagem e estrutura - seja
da alegoria política suscitada pela presença das
Olimpíadas de Beijing no meio do filme, seja do próprio
caráter metalinguístico do trem que, como o filme,
conecta pais e filhos separados pelo inevitável - mas não
leva a cabo nenhuma delas com firmeza ou convicção.
Há uma distância imposta pela estratégia de
observação + depoimentos para o nada (sem perguntas
ou contato visual com um entrevistador; as pessoas olham para
o horizonte e falam sobre suas vidas) que tira a gravidade das
situações, e faz um princípio de tumulto
grave na fila do trem e um confrontamento direto de uma das personagens
com a própria natureza do filme (não só a
câmera, mas também a ordem regente do próprio
documentário) perderem o que eles tinham de violento e
crível.
Nessa indecisão entre o íntimo e o maiúsculo, O Último Trem para Casa não consegue se dedicar de fato a uma coisa ou outra, que dirá produzir um choque entre elas. Dos cortes das trajetórias particulares para as multidões despersonalizadas (os planos gerais da cidade, da fila e do interior do trem, da boate, etc), Lixin Fan sai com o único filme possível de uma relação que se percebe burocrática e desestimulante entre documentarista e personagens. Filmando uma epopéia sem duração, e uma crise sem traços de violência, O Último Trem para Casa é um filme que simplesmente parece não acontecer.
Setembro
de 2010
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