olho no olho - virtual O
real como um milagre - seis perguntas para
Naomi Kawase perguntas e introdução
por Felipe Bragança respostas traduzidas do japonês por Nilce Naomi Fukumitsu
e Momoko Watanabe
Sobre
o cinema de Naomi Kawase, mais especificamente sobre seu último trabalho, já me
desdobrei e redobrei na crítica ao filme
durante o Festival do Rio 2007. Floresta dos Lamentos lateja na tela com
uma pregnância impressionante, como uma catarse cítrica e suave, uma pujança amorosa
e efusiva, alegre e dolorida. Inquietação fantasmagórica da alma e do corpo, o
cinema de Kawase nos convida a uma experiência ao mesmo tempo dolorida e prazerosa,
a uma catarse de dor ou um cafuné carinhoso, que parecem conseguir conjugar a
contemplação e a total imersão no mundo. Nessa primeira conversa sobre um cinema
que ainda não se decodifica claramente (mas que permanece recorrente na memória),
tento entender alguns de seus trajetos, propostas, métodos, sensações. Feito tentar
decifrar uma música, uma experiência tátil de contração (e recomposição) do espaço-corpo
do cinema. Escrevo então, em inglês e por e-mail, alguns
suspiros para Naomi ouvir. Após espera de alguns dias, eles me chegam de volta,
respondidos – só que em japonês! Embora a beleza particular de tal escrita possua
enorme força (e por isso mesmo os leitores podem ver as respostas assim como foram
recebidas aqui), ainda assim
nos era essencial conseguir também alguma tradução destas palavras. Foi aí que,
graças à generosa intervenção do nosso parceiro e editor da Cinequanon,
Cesar Zamberlan, e do amigo também cinequanônico Fábio Yamaji (com a ajuda de
sua irmã), aqueles ideogramas viajaram de volta ao Japão, encontrando a tradução
de duas conhecidas do Fábio e de sua irmã - as acima creditadas. Depois deste
trajeto circular virtual (mas tão real) por essa rede de afetos entre Japão-Rio
de Janeiro-São Paulo-Japão, finalmente conseguimos colocá-las no ar, para o leitor,
onde quer que ele esteja. 1 - Talvez pareça banal
começar uma entrevista pela questão tão difusa da inspiração ou da pulsão criativa
(algo tão intangível), mas sua cinematografia mais recente expressa uma vontade
tão desesperada de vida que passa a se tornar impossível não se interessar pelo
que te move... De onde vem tanta vontade de cinema? Naomi
Kawase - Eu não comecei a produzir filmes em homenagem a algum diretor ou
algum filme. Os homens são únicos desde o nascimento. Por conta disso, às vezes
sentem solidão no coração. Porém, na realidade, todos nós temos a experiência
de ligação com alguém (ao menos a própria mãe). No final, as vidas são ligadas,
conectadas. No início da minha carreira, eu produzia filmes para matar essa solidão...
era isso. Agora, estou produzindo os filmes para retratar a beleza da ligação
e conexão das vidas. 2 - Há uma força dramática muito
intensa na forma como você coloca seus personagens sempre em alguma espécie de
abismo afetivo, de uma certa assombração e um certo espanto com a vida. Como você
tenta passar isso para o filme, para a equipe, para a atmosfera do set – esse
sentimento de encantamento e risco? Naomi Kawase -
Eu vejo a beleza no mundo através de homens que chegaram ao limite. Tento chegar
na verdade da beleza através dessa visão, desse ponto-de-vista. Peço sempre aos
operadores de câmera que sintam e pensem no conceito do filme, não com a cabeça,
mas com o coração. Eu, como diretora, sempre tento fazer com que as pessoas envolvidas
no projeto vivam num mundo mais improvisado, livre. Não gosto que fiquem presas
ao roteiro. 3 - Fale um pouco do processo de construção
cênica. Há uma energia de vida única em diversas de suas passagens, que nos lembram
uma documentação de um balé, de uma dança – como o parto e a dança em Shara
(imagens ao lado), as
brincadeiras da mulher e do homem no jardim e na mata em Floresta dos Lamentos.
Me fale um pouco da forma como você decupa, organiza e recorta suas cenas com
a câmera. Naomi Kawase - Quando estou no set, tento
conseguir uma cena boa em um take único. Não fazemos muitos ensaios. Eu gostaria
que os atores conhecessem o mundo do filme pela primeira vez na hora de filmar.
Os operadores de câmera também. Mas, como eles são técnicos, têm de ensaiar até
algum ponto... Não chega a ser, porém, um esquema de filmagem exatamente, é como
se fosse uma preparação para poder captar qualquer movimento e ação que os atores
venham a nos dar. 4 - Ainda afetado por Floresta
dos Lamentos, te pergunto: a partir de que momento, nesse turbilhão de afetividades,
improvisos, liberdade, que parecem estar misturadas a seu rigor conceitual de
um certo desespero alegre, você consegue perceber, organizar, o filme que estás
dirigindo? Onde termina a vida e começa a intervenção estrutural do filme e como
isso se dá na busca de uma alegria essencial que parece estar misturada a esse
desespero? Naomi Kawase - É por dentro da própria
experiência do filme que a tristeza se transforma em alegria. No meu filme, os
atores interpretam os papéis como estivessem vivendo o seu dia-a-dia, na vida
real. As câmeras filmam este acontecimento com calma. É claro que existe um conceito
minucioso na minha visão, mas que ficará mais claro na hora de edição somente.
Na hora de filmar a cena, eu me concentro em registrar a realidade como se fosse
um milagre. 5 - Seu cinema carrega uma pessoalidade
tamanha que parece mesmo se aproximar de uma certa ingenuidade criativa. Essa
ingenuidade me faz pensar: você se sente trocando idéias com outros realizadores,
você se sente influenciada por filmes que vê, outras formas de arte a seu redor,
um panorama de realizadores que te interessam? Naomi Kawase
- Na verdade, toda forma de arte verdadeiramente surgida e nascida das pessoas
me agrada muito, pois meus filmes também não deixam de tentar ser isso. Minhas
obras, meus filmes, talvez fujam um pouco das formas mais padronizadas de cinema,
mas acredito que existem muitos outros realizadores que estão continuando também
a fazer essa arte mais “humana.” Acredito, talvez, que posso de alguma forma estar
dialogando com este tipo de pessoa. De qualquer forma, não penso muito sobre movimentos
cinematográficos. Na realidade, acho que se olhar para os meus passos, estarei
tendo, isso sim, uma conexão com a natureza e com o mundo antes de tudo. 6
- Pra terminar, se for possível, nos conte um pouco agora sobre seus próximos
passos. Fale sobre o projeto de If Only The Whole World Loved Me,
seu próximo filme... O que você já poderia me falar sobre o filme? Naomi
Kawase - If Only the Whole World Loved Me foi pensado junto com a mesma
produtora que produziu o Shara em 2003. Kyoko Inukai escreve o roteiro
e a atriz protagonista será Kyoko Hasegawa. Convidamos Caroline Champetier para
a fotografia e Gregoire Colin fará parte do elenco. O filme será uma história
de intercâmbio entre pessoas através da massagem tailandesa. Vamos filmar na Tailândia,
a edição será feita a partir de novembro próximo e pretendemos passar nos cinemas
do Japão no próximo verão. Acredito e espero que o público tenha uma sensação
de liberdade (“open-mind”) e se sinta animado assistindo a este novo filme. Entrevista
realizada por e-mail, outubro de 2007
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